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01-2017

A poeira do renascimento

Olhar Global   /  

Cinzas são o resultado de qualquer objeto que sofre a ação extrema do fogo. Representa, portanto, o fim de algo. Mas pode também significar o renascimento, como a Fênix, ave da mitologia grega que, quando morria, entrava em autocombustão e, passado algum tempo, renascia das próprias cinzas. Foi inspirado nesse mito que o fotógrafo francês Olivier Valsecchi criou a série I am Dust (Eu sou Poeira, em tradução livre).

A ideia inicial era falar apenas de renascimento, porque ele sentia que estava renascendo desde que entrou em um curso de Fotografia e descobriu as possibilidades que a área oferece. Até chegar a essa espécie de epifania, Olivier tinha experimentado diferentes vertentes artísticas: gravou cerca de 200 músicas, escreveu quatro livros, traduziu outros e trabalhou em rádio. Mas um dia ele resolveu transformar o hobby em profissão.

Foi durante as férias de inverno, na casa dos pais, que Olivier percebeu que toda a madeira usada na lareira era reduzida às cinzas, o que lhe trouxe a imagem da Fênix, e lhe ocorreu usar o pó para expressar seu sentimento. “Sabia exatamente como exteriorizar meu caos e as mudanças pelas quais eu passava. Todas as vezes que fechava os olhos, podia ver as imagens que queria fazer”, conta. Idealizou então uma série de imagens com pessoas envoltas numa nuvem de cinzas.

Assim que voltou às aulas de fotografia, propôs ao professor o projeto – que não foi aprovado por causa dos danos que seriam causados nos equipamentos e pela sujeira que deixaria no estúdio. Fez os primeiros testes em 2009, quando já não estava mais estudando e decidiu tentar um ensaio para ver no que daria. Cobriu a câmera que tinha Hasselblad com plástico filme (muito usado para embalar alimentos), chamou um modelo e fez os primeiros cliques.

Castelo de cartas

Em seu estúdio, Olivier trabalha sozinho com o modelo. Com uma ideia de como a foto pode ser, ele conversa com o fotografado, faz uma demonstração da posição e joga as cinzas (que sempre são de madeira) ou pede para o próprio modelo atirar o pó. Ficando boa ou não, ele nunca confia na primeira foto. Tenta outra e, ao longo das horas seguintes, reproduz o momento a maior quantidade de vezes possível.

O fotógrafo compara o seu modo de trabalhar com a construção de um castelo de cartas. Cada tentativa é como se fosse uma carta do castelo. Se a imagem não fica como o esperado, é porque o castelo desmoronou. Portanto, ele desiste da ideia. Mas quando olha o monitor da câmera e o coração acelera de emoção e excitação ele sabe que conseguiu a foto perfeita e que o castelo de cartas não desmoronou.

Os modelos (mulheres ou homens) não são profissionais. São pessoas que Olivier conhece na rua, pela internet ou em lugares que frequenta. “Procuro criar uma relação de intimidade com eles. Conversamos sobre assuntos pessoais e profissionais. Gosto que sejam únicos e espontâneos, características que quem vive disso nem sempre tem”, explica.

Filho de artistas, não é surpresa que ele mesmo tenha se tornado um – a mãe é pintora e usa como inspiração as fotos que faz quando vê uma bela paisagem; o pai faz esculturas de madeira, que Olivier cresceu admirando. Segundo ele, nenhuma foto se faz sozinha. É um processo passo a passo. “Algumas pessoas gostam de pensar que há uma fórmula mágica e que não há jeito de errar quando você tem os ingredientes certos, que são basicamente uma boa luz, um bom modelo e uma grande quantidade de cinzas”, explica o profissional, que não usa o Photoshop em nenhuma das imagens que produz.

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