A movimentação da bola por campos incomuns – cobertos de água, folhas ou barro, elementos da consistência amazônica – tem seu som, ou melhor, como diz o fotógrafo Maurício de Paiva, seus alaridos. Por isso, Futebol na Amazônia, Imagem e Alarido (DBA 2013), livro recente de Paiva, sugere duas perguntas: o que o som tem a ver com o olhar? E com os demais sentidos?
Para o historiador Flávio de Campos, o futebol é uma janela privilegiada para a sociedade. No entendimento do fotógrafo-antropólogo Maurício de Paiva, a sociedade encontrada na Amazônia também pode ser revelada por meio dessa mesma perspectiva. A prática se traduz em justificativa para o autor, um desvio dentro de seu campo maior de estudo imagético concentrado na região, encontrado em outro livro de Paiva: Amazônia Antiga, a Antropologia no Entorno (DBA, 2009).
As imagens exibem uma beleza atemporal, reflexos de luzes mais primitivas. Trazem personagens que vivem em seus próprios contextos, tão únicos que exigem do autor essa mediação para o leitor. A região parece criar um paradoxo em torno de sua própria simplicidade de viver.
A ideia é transmitida por intermédio de tons e matizes, sutilezas descobertas que ultrapassam a temática central do futebol, enriquecida por acontecimentos paralelos.


Apaixonado pela Amazônia
Maurício de Paiva é um apaixonado pela fotografia e pela linguagem amazônica. As imagens do livro parecem rondar seu tema. Mas extrapolam visivelmente suas cercanias. A bola e o futebol, além de fio condutor, surgem em sincronismo com a existência dos ribeirinhos e circundam de maneira altiva o que antes não tinha consideração maior.
A arte exige um tempo, que é transmitido pelas fotos do autor de maneira específica ou poética. O personagem do livro, Manoel Cunha, da região do Alto Juruá, conta que quando chegou à Amazônia a bola era feita com o isopor que guia a embarcação no mar. Era, ele diz, época dos antigos, quando se costurava com “agulha de mulher” uma trama por cima. Bola para o fute-lama com a maré baixa.
O fotógrafo não mais registra as “agulhas”. Mas, entre outros, um time inteiro de jogadoras que assumem a transposição do futuro. Não se cria o novo sem o antigo, que é fruto de uma somatória da integração entre imagem, seus desdobramentos e experimentação- vivência do autor, o que traz a essa publicação uma cadência rara e feliz.

