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04-2019

Fotografia social com olhar brasileiro na terra da rainha

Casal fotografado pelo brasileiro Victor Guidini em Hampstead Garden, no distrito de Barnet, zona noroeste de Londres

Casal fotografado pelo brasileiro Victor Guidini em Hampstead Garden, no distrito de Barnet, zona noroeste de Londres

Por Mário Fittipaldi

E agora pode beijar a noiva… Só que não. Questões como essa e outras bem mais complexas são parte do dia a dia de Victor Guidini, fotógrafo e cinegrafista brasileiro radicado em Londres. Especializado em fotografia social, ele registra casamentos, noivados, viagens e grupos de pessoas de passagem pela capital inglesa ou pela Europa, e frequentemente se surpreende com as diferenças culturais com as quais tem de lidar. O beijo, por exemplo, era proibido para um casal de Bangladesh que ele fotografou na cidade. “Não que eles não pudessem se beijar. Apenas não consideravam adequado serem fotografados se beijando”, ele explica, acrescentando que o casal acabou topando fazer a foto. “Mas a imagem não poderia se tornar pública jamais”, avisa.

Segundo Guidini, situações assim são comuns em uma cidade tão cosmopolita como Londres, onde boa parte dos moradores é estrangeira. “Há muita gente que veio para estudar e que vai embora em dois ou três anos, ou ainda as que chegam de ex-colônias britânicas em busca de uma melhor qualidade de vida. O resultado é uma diversidade cultural enorme”, conta. Ele lembra que já se viu fotografando em situações curiosas, como um casamento indiano que durou três dias inteiros. Ou a cerimônia de um casal iraniano, em que o clérigo que realizou a união não poderia ser fotografado sob nenhuma circunstância.

Para evitar saia justa, comum nesse tipo de situação, Guidini pesquisa bastante sobre a cultura do casal que vai fotografar. “Procuro saber de tudo: como é a cerimônia, o que pode e, o que não pode fazer, os significados culturais e religiosos de cada momento”, explica. Ele sempre conversa bastante com o casal antes de começar a sessão de fotos para entender o que os dois querem e como deve se comportar. Para ele, é fundamental gostar de se envolver com as pessoas para fazer esse trabalho. “Se essa opção profissional fosse apenas um ganha-pão para me manter na cidade, não sei se teria sido bem-sucedido”, conta.

Mesmo com tanto cuidado, o fotógrafo não está imune a sustos. Lembra, por exemplo, de quando fotografou um casamento muçulmano e, ao separar as fotos, notou que não tinha registrado a troca das alianças. “Fiquei em pânico pelo vacilo, por ter perdido um momento tão crucial da cerimônia. Até o casal finalmente me contar que simplesmente optou por não usar alianças. Foi um alívio”, diverte-se.

Um casal indiano em uma pose descontraída no dia do casamento: brasileiro transita por vários tipos de cerimônia

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Sem burocracia

Guidini diz que uma das vantagens de se trabalhar em Londres é que as relações de trabalho são extremamente simplificadas. Ao contrário do Brasil, onde a burocracia para abrir uma empresa é enorme, lá o governo facilita ao máximo a legalização de quem deseja empreender, informa ele. “Em menos de um mês já estava com tudo pronto para começar”, diz. Outro ponto importante é que não falta trabalho. “No ano passado, por exemplo, tive até de deixar de lado meus projetos pessoais, tamanha a demanda”, comemora.

A estrutura que ele montou funciona em regime de home office. Assim, toda a parte de pós-produção do trabalho, bem como a parte de negócios, é feita em casa. O fotógrafo conta que, de preferência, faz a reunião de briefing pessoalmente, no local do evento, levando consigo dois modelos de álbum de fotos.

Em um tablet, mostra exemplos de fotos e também da galeria virtual que monta para os clientes, além do contrato. Quando não é possível o encontro no local do evento, a reunião pode acontecer em um café. “Em casos mais raros, também faço briefings pelo Skype”, acrescenta. Segundo ele, sua maior propaganda é o boca a boca dos clientes. “No ano passado comecei a investir em anúncios do Facebook e em AdWords do Google”, diz.

Guidini lembra que, no Reino Unido, todo fotógrafo precisa ter um seguro chamado public liability para fotografar em eventos. Trata-se de um seguro que protege o profissional contra danos físicos ou materiais que seu trabalho possa causar a outros durante a sessão de fotos. Além desse seguro obrigatório, ele investe no professional indemnity, que o protege contra ações judiciais do cliente, e em seguro para os equipamentos.

Toda a divulgação do trabalho é feita pelo site, atualmente com versões em inglês e português. “Mas já estou trabalhando em traduções para o espanhol e o italiano”, avisa. Além de exemplos do trabalho dele, o cliente encontra, na seção Investimento, uma referência de preços. Para fechar o contrato, o cliente paga de 30% a 40% do valor adiantado e o restante a duas semanas do evento.

Guidini também fotografa em outros países europeus: aqui, um ensaio pré-casamento em Atenas, Grécia, com ruínas ao fundo

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Os espinhos

Mas nem tudo é assim tão fácil, ele ressalva. A concorrência também é enorme. “Aqui tem muita gente boa, criativa, com equipamento de ponta e fazendo trabalhos de alto nível. É preciso muita dedicação para se destacar”, pondera. Outro problema é o preconceito: segundo ele, à exceção de Londres, pelas próprias características da cidade, há certa resistência à presença de estrangeiros na Inglaterra, especialmente o europeu. “Talvez pelo background de guerras ou então pela concorrência pelo mercado de trabalho”, analisa. É importante considerar também a sazonalidade. A maior parte dos trabalhos ocorre no verão, conta ele, quando o clima é bom e o céu, menos cinzento.

Catarinense de Xanxerê, Guidini, de 37 anos, mudou-se para Londres há quatro, quando a mulher dele, arquiteta, decidiu fazer uma especialização na cidade. Ele, que já trabalhava com fotografia e vídeo, conseguiu uma vaga de mestrado em Cinema na Birkbeck University of London. O que ele não imaginava é que o casal não teria data de retorno ao Brasil. “As coisas foram acontecendo. Consegui um trabalho de cinegrafista com a equipe londrina da Rede Record, e como estávamos perfeitamente adaptados à cidade decidimos ficar”, rememora.

A guinada veio quando percebeu um nicho de mercado a ser explorado ao notar que muitos casais estrangeiros vinham para Londres em viagens de noivado, ou mesmo em lua de mel, e queriam um registro da passagem pela cidade. “Londres é perfeita para isso, pois reúne tradição e modernidade”, analisa. Curiosamente, foi apenas a partir do ano passado que ele começou a atender um grande número de casais brasileiros. “No começo, fotografava casais europeus, ou indianos, paquistaneses, iranianos… Apenas quando traduzi meu site para o português é que começaram a aparecer clientes brasileiros”, conta. Ele avisa que já está providenciando traduções para o espanhol e o italiano, de olho em visitantes desses países.

Detalhe de união inter-religiosa: ele, de religião africana; ela, muçulmana

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Além de casamentos, ele faz e- -sessions (de engagement sessions, ou fotos de noivado) e de lua de mel, aposta nos chamados elopements, quando o casal viaja a sós para se casar em um país de sonho. “Esse tipo de cerimônia está na moda, e muitas vezes o casamento ocorre apenas em cartório”, diz. A palavra elopement significa fugir sem que se possa voltar. “É uma referência ao casamento proibido, em que os noivos precisavam fugir da cidade de origem para ficarem juntos”, explica.

O fotógrafo trabalha com duas câmeras Nikon D750, uma montada com uma lente 70-200 mm f/2.8 e a outra com uma 35 mm. Nos ensaios externos, usa flash dedicado apenas como preenchimento, às vezes equipando-o com um rebatedor flexível da Rogue. “Gosto bastante desse acessório, pois aqui em Londres dias com pouca luz são comuns. Ele permite destacar o sujeito e aumentar o contraste”, informa. “Em situações internas, como as cenas de família ou a hora de cortar o bolo, prefiro usar o flash em um pedestal”. Para registrar cenas em vídeo, usa uma câmera Sony Alpha a7S mirrorless que grava em 4K.

Guidini informa que a maioria dos casais deseja mesmo ser fotografado nos pontos turísticos mais tradicionais e conhecidos. “Embora não sejam registros tão criativos, são, sem dúvida, uma maneira de dizer que os noivos passaram pela cidade”, comenta. Assim, fotos ao lado do Parlamento ou do Big Ben, em bairros característicos ou em pubs são bastante comuns. Há também os casais mais arrojados, que querem fotos inusitadas, como no Leake Street Tunnel, um túnel todo grafitado que é referência à arte de rua, ou mesmo em cemitérios – por mais estranho que isso possa parecer. “É justamente essa diversidade que Londres oferece que me fascina”, entusiasma-se.

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