Uma celebração a Chico Albuquerque já estava na hora. Não que este cearense, nascido em 1917, já não fosse uma espécie de ícone cult entre fotógrafos e pesquisadores. Mas era mais que necessário que sua ampla obra fosse bem re gistrada em um livro, com todas as nuances que o fotógrafo imprimia em seu poderoso trabalho e que tanto influenciaram gerações de profissionais.
A cultura brasileira, principalmente a fotográfica, sempre careceu de enaltecer os grandes empreendedores, ou seja, as pessoas que são os verdadeiros pilares para o padrão de imagens que vemos hoje. Muitos fotógrafos novos podem não se dar conta – e mesmo os não tão novos assim –, mas Chico Albuquerque é uma importante fonte de referências para as fotos atuais. Coisas que estão em nosso imaginário, e mesmo no inconsciente, aludem ao trabalho dele, embora muitos neguem tal influência.

Chico Albuquerque Fotografias (Terra Luz Editorial, 2009) traz ensaios de diferentes épocas e fases do fotógrafo que morou e trabalhou na cidade de São Paulo entre 1947 e 1975. Na parte destinada aos ensaios feitos entre 1930 e 1960, vemos a arquitetura paulistana, cenas com estilo bressoniano das cidades paulistas de São Paulo e Guarujá, retratos como o do também fotógrafo Geraldo de Barros e um registro do então deserto bairro do Morumbi, na capital paulista. Neste mesmo lugar, Albuquerque também fotografou a arquiteta italiana Lina Bo Bardi, em 1952, uma das pioneiras a se instalar no remoto bairro da época.
Versátil como poucos, Albuquerque também foi um mestre no retrato. Um belíssimo, que abre a seção destinada aos portraits dos anos 1940 a 1960, é o de Hil da Hilst, numa pose tão inspirada que certamente antecipava a poderosa obra literária da escritora. O mesmo podemos dizer de uma sensual e igualmente bela Lygia Fagundes Telles, que faz contraponto com o sisudo Roberto Burle Marx.
A praia do Mucuripe, em Fortaleza (CE), que ficou célebre no livro anterior de Albuquerque (Mucuripe, Terra Luz Editorial, 2000), ganha nesta publicação um ensaio dos anos 1942 a 1952. Suas clássicas jangadas e pescadores nos impediram de criar algo novo depois que Albuquerque os registrou. Se tentamos fotografar esses lugares, lá vem a memória do fotógrafo a nos dizer que não conseguiremos fazer algo melhor. Nem tente.Um bônus são as imagens de Orson Welles filmando seu histórico It’s all true, rodado na mesma praia.

Dos anos 1950 aos 1980, em cor, surgem algumas pérolas do editorial e da publicidade brasileira présoftwares de imagem, quando os fotógrafos tinham que mostrar realmente que sabiam trabalhar. Ele entregava os cromos em grande formato, impecáveis, sem passar pelo tal “manipulador de imagem” que hoje, cada vez mais, faz parte dos créditos editoriais. Em cores, por exemplo, Albuquerque conseguiu traduzir em elegância e refinamento o carro Aero Willys de 1966.
Com a arquitetura bem trabalhada dos anos 1950 e 1970, temos uma série de still life e algumas tomadas mais prosaicas de personagens na praia cearense de Jericoacoara, em 1985, que não fazem justiça ao conjunto de sua obra. No entanto, são interessantes para o entendimento da longa carreira, interrompida em 2000 com sua morte. Aos 83 anos, “seu” Chico ainda foi capaz de assinar um último ensaio publicitário.
Ed Viggiani, um dos grandes nomes do documentarismo brasileiro, foi assistente de Albuquerque em 1982, numa agência de propaganda em Fortaleza (CE). Certa vez, com o dia nublado e uma externa para fazer, foi chorar para o chefe e ouviu dele: “Não há luz ruim. O que pode acontecer é falta de inspiração”. Para Viggiani, a lição ficou para sempre: “Aprendi com ele que a luz deve mesmo é ser interpretada”, conta o fotógrafo.
