Desde o final dos anos de 1940, as imagens das câmeras produzidas pela Polaroid Land se tornaram sinônimo de instantâneo. Era o mundo do pósguerra querendo ganhar o tempo perdido. No entanto, eram frágeis e de difícil conservação, o que não impediu diferentes usos ao longo dos anos – do doméstico e familiar às imagens artísticas feitas por celebrados criadores nas mais diferentes mídias, como o cineasta russo Andrei Tarkóvski, cujas imagens são publicadas agora no livro Tarkóvski, Instantâneos (Cosac Naify, 2012).
Neide Jallageas, pesquisadora com pós-graduação em literatura russa, escreve (em um prazeroso texto sobre as imagens do cineasta), que ele começou a produzir com a Polaroid no final dos anos de 1970 e que essas fotos iriam refletir no conteúdo de seus filmes. O processo de mutação que elas sofreram ao perder a cor e se tornarem indefinidas ao longo do tempo é, para ela, “um mundo já inexistente, que se desenha apenas no caminho da memória”.

Tarkóvski dirigiu, entre outros filmes, Solaris (1972), Stalker (1979) e Nostagia (1983), trabalhos que seriam suficientes para propor à professora uma digressão ontológica das fotografias. Para ela, “tal desaparição cadente da imagem, desmaterialização do registro de um instante, singulariza a compreensão do tempo sob a qual Tarkóvski realizou seus filmes”. Ela entende que o cineasta queria demonstrar na efemeridade da matéria, a perenidade do espírito.
Os 60 retratos e paisagens registrados por Tarkóvski que estão no livro não se ressentem do tempo. O véu que a química em andamento deposita na foto acentua ainda mais o caráter atemporal proposto pelo artista. Para ele, “o tempo não pode desaparecer sem deixar vestígios”. Entre os retratados estão a esposa, os filhos, sua datcha (casa de campo na Rússia) e seu cão. Parte das imagens são da época em que ele viveu na Itália, durante a produção do filme Nostalgia.

Para Neide Jallageas, as paisagens italianas podem ser justapostas às da Rússia. Nesse curto período na Itália, as autoridades soviéticas negaram a permissão para seu filho viajar e seu ator preferido, Anatoli Solonítsin, caiu doente. Segundo a professora, são dessa fase as polaroides mais pungentes e impressionantes.
Em uma de suas declarações Tarkóvski disse: “Podemos expressar nossos sentimentos em relação ao mundo à nossa volta de maneira poética ou por meios descritivos. Prefiro me expressar metaforicamente”. Independentemente da correlação com sua cinematografia, o cineasta produziu uma cuidadosa série de imagens impecáveis em composição e subjetivas em conceito. Em um primeiro momento, o observador pode ser levado a crer no registro familiar, mas visto em conjunto, tudo muda e o cineasta se revela um artista-fotógrafo.
