Uma noite, o fotógrafo norteamericano Jason D. Page acordou sem ar – estava sendo sufocado pelo padrasto. Era um ato que, junto a outras agressões físicas, fazia parte da rotina do menino de seis anos desde que a mãe casara com ele. Mas naquela noite foi diferente: Jason ficou sem ar por tempo demais e o coração parou por alguns segundos.
Enquanto estava clinicamente morto, Jason sentiu que andava por uma floresta iluminada, no que ele descreve como uma experiência de quase-morte. Mais tarde essa experiência o motivaria a se profissionalizar no mundo da arte. Os troncos e as folhas das árvores tinham cores que, até então, eram inimagináveis para ele, e a sensação predominante era de alegria e paz. Foi um momento que durou pouco tempo. Pouco demais, segundo ele. Jason passou boa parte da vida tentando voltar àquela floresta e àquela sensação, mas nunca conseguiu.
Fez faculdade de cinema, trabalhou no segmento por algum tempo, mas nunca se sentiu completamente satisfeito. Até que, em outra noite decisiva, em 2004, quando fotografava uma praia em baixa velocidade, acidentalmente bateu na câmera. O resultado foi um risco branco na tela, deixado pela lua. “Foi um momento de claridade que nunca tinha tido e nunca mais tive.
Foi minha epifania”, conta Jason, de 35 anos. “Soube ali que havia encontrado aquilo que estava procurando. A partir daquele momento, me tornei um light painter”, descreve. Encontrou, por acidente, um modo de reconstruir seu sonho.


com o light painting, busca reconstruí-la. Foto: Jason D. Page
Luminescência
Light painting é uma forma de fotografia em que o fotógrafo faz desenhos com fontes de luz em um ambiente escuro na frente da câmera, que fica com o obturador aberto (modo bulb) pelo tempo que for preciso para o desenho ser feito.
No que se refere à fonte de luz, a maioria dos light painters se contenta com lanternas, glow sticks, El Wires (diminutivo para cabo eletro-luminescente), celulares e outros dispositivos que emitam, reflitam ou refratam a luz. Jason, porém, tem ideias de cenários em que não são suficientes os instrumentos convencionais, portanto, ele os cria. “Se há uma certa cor ou textura de luz que estou tentando alcançar, a probabilidade é que terei de inventar uma ferramenta para conseguir o resultado que quero”, explica, continuando: “O fato de o light painting ser relativamente novo como forma de arte significa que não posso simplesmente escolher na loja local para artistas um conjunto aleatório de ferramentas para fazer o trabalho”.
çA criação de dispositivos ocorre, por exemplo, quando ele quer um efeito explosivo na imagem. Poderia usar fogos de artifício convencionais, mas se não forem da cor que gostaria Jason mistura nitrato e cloreto de potássio, componentes químicos encontrados comumente na pirotecnia, para conseguir novos tons. “Nos Estados Unidos, há uma empresa da qual posso encomendar os componentes e fazer meus próprios fogos de artifício para conseguir cores e texturas de luz específicas”, explica o fotógrafo.

Noite iluminada
Selecionados os instrumentos para a formação da foto, é hora de escolher o local. Jason os encontra quando faz as habituais caminhadas por florestas perto de sua casa, na Flórida, ou viaja para parques nacionais, estaduais e praias desertas. Os lugares que o inspiram são anotados em um caderno, para servirem de locações posteriormente. O fotógrafo faz algumas fotos em estúdio, mas prefere que a maioria seja ao ar livre, pois, segundo ele, “é onde me sinto mais criativo”.
Depois, com a Canon EOS 50D que tem, arma o cenário, se veste de preto da cabeça aos pés para não aparecer na foto e abre o obturador da câmera. “Não ensaio, simplesmente começo a fazer o desenho”, explica. “Se eu gostar da primeira imagem, é uma noite boa; mas, normalmente, tenho de fazer algumas para que consiga o resultado desejado”. Às vezes, a foto não fica perfeita, mas erros aleatórios podem inspirá-lo a fazer uma fotografia completamente diferente. Jason defende que “a luz é livre; não pode e não deve ser muito controlada”. Portanto, vê erros como uma sugestão para algo novo.
Pelo fato de as imagens serem feitas em meio à natureza, há vários elementos com os quais o fotógrafo precisa lidar, como calor, frio, chuva, insetos, animais selvagens e o “curioso ocasional”, como diz. Isso, somado ao fato de que a construção da imagem é um processo lento e entendiante para quem vê de fora (uma foto pode ser feita em minutos ou horas), faz com que quase sempre Jason fotografe sozinho. “Não é fácil convencer alguém a entrar em uma floresta escura cheia de insetos que o comem vivo para me ajudar a fazer uma imagem sem ganhar nada em troca”, brinca.
Quando precisa de uma modelo, conta com a presença da esposa Courtney – se conseguir convencê-la. Mesmo com todos esses detalhes, nem sempre as condições colaboram para a foto ideal. A imagem Left Behind, por exemplo, demorou cerca de dois anos para ser feita porque Jason precisava que três fatores estivessem em harmonia: maré alta, lua cheia e mar calmo. Na ponta de um molhe de 137 metros de comprimento e 30 centímetros de largura, o fotógrafo colocaria os fogos de artifício e se posicionaria no início do quebra-mar. Com a maré alta, o molhe ficaria indetectável na foto.
A imagem final só foi criada na terceira tentativa com as condições perfeitas. Na primeira, ele caiu no mar enquanto armava o cenário perdendo todas suas ferramentas delight painting e, na segunda, deixou o obturador aberto por mais tempo do que o necessário, registrando a posição da lua em um ponto indesejado.
Jason poderia ter feito a foto em bem menos tempo com o uso do Photoshop, mas o fotógrafo não usa o software em imagem alguma. “Tudo o que se vê nas minhas fotos é criado em tempo real e capturado em um só frame”, garante.



Luz criativa
Para finalizar o processo, o fotógrafo clica fechando o obturador e vê o resultado. Mas nem todos os ensaios seguem essa estrutura, embora a base seja sempre a mesma.
Para a série Faces, de retratos (até o momento com figuras do cientista Albert Einstein, do artista Andy Warhol, de Jesus Cristo e do ator Jack Nicholson em Um Estranho no Ninho, filme de 1975), ele usou painéis de luz sobrepostos uns aos outros, em um único frame. É uma técnica que ele criou inspirado no trabalho do próprio Warhol.
Para a série Electric Universe, Jason tenta capturar flashes de luz e faz light painting juntos, também em um único frame, usando uma câmera fotográfica com filme. É tão difícil que ele faz o projeto há dois anos e ainda não conseguiu uma única foto que o satisfaça.
O trabalho Kinematics, cujo representante principal é a foto Moonrise Machine, é um estudo do movimento da luz. Segundo Jason, os primeiros light paintings na fotografia foram experimentos científicos para estudar o movimento da luz.
Assim que a ideia aparece na mente de Jason, o fotógrafo procura realizá-la. “Tenho muitas imagens na minha cabeça para criar”, afirma. “O meu maior medo é que eu não consiga realizar todas elas antes de morrer”. Portanto, faz o máximo de obras possível.
Quando não está fotografando em algum lugar remoto, Jason dedica seu tempo ao site que fundou em 2009, www.lightpaintingphotography.com, no qual promove a arte de light painting, publicando editoriais, notícias e perfis de fotógrafos emergentes e consagrados no segmento.


Lançou também, em versão online, um documentário em curtametragem sobre o trabalho dele, de cerca de sete minutos, disponível no site https://vimeo.com/66446972. O curta, realizado pelo amigo norteamericano Jacob Peterson, demorou alguns anos para ser feito, pois dependia da produção de imagens específicas. “A história acabou sendo mais pessoal do que esperava. Estava hesitante em liberá-la”, admite o fotógrafo, que, no vídeo, conta sua experiência de quase-morte. Depois de conselhos de amigos e família, no entanto, ele liberou o conteúdo. “Agora, vejo que as pessoas aprovam a honestidade. Acho que dá a elas uma maior compreensão sobre mim e o meu trabalho”, diz.
Além disso, Jason tem a intenção de escrever, em um futuro próximo, um livro sobre a história do light painting e, talvez, uma revista sobre o assunto para divulgá-lo.
“Trabalhar com light painting é como uma escapatória para mim. Espero que quando as pessoas virem minhas imagens possam escapar também, se perdendo nas histórias que as fotos contam e se inspirando a criar outras”, comenta o irriquieto fotógrafo.