Há muito que a fotografia brasileira vem se deslocando. Ou melhor, se descolando do eixo Rio-São Paulo. Fotógrafos de Brasília, do Ceará, do Rio Grande do Sul, de Minas Gerais, do Paraná, da Amazônia, entre outras regiões, têm ocupado espaço significante no contexto nacional e até internacional.
A maior interatividade promovida por associações como a Rede de Produtores Culturais da fotografia no Brasil amplia essas conexões, e os movimentos nativos aproveitam o embalo para também mostrar que estão por aí, produzindo. Caso do Movimento Alumiar, que acaba de nascer no Rio Grande do Norte, capitaneado pelo premiado fotógrafo paraibano Gil Macedo – também conhecido pelo nome de Numo Rama.


Cidadão do mundo
A ideia de criar um polo mais ativo para o pensamento fotográfico também teve ajuda de outro “forasteiro” igualmente premiado, o matogrossense Marcelo Buainain – assim como Macedo/Rama, radicado em Natal (RN) há alguns anos. Macedo conta que o avatar Numo Rama vem das antigas histórias da Lemuria (uma hipotética região perdida entre os oceanos Índico e Pacífico).
Ele incorporou o nome em suas andanças pelo mundo, onde aprendeu a fotografar e a viver da fotografia. Com 44 anos, o fotógrafo nasceu em Araruna, na Paraíba, mas já viveu em diferentes países, como Portugal, Indonésia, Dubai e Suécia.
De fala centrada, meio mística, Rama também se aproxima de Buainain quando os dois têm como certo a interação da força espiritual em seus trabalhos. Índia – Quantos Olhos tem a Alma (Editora CPF, 2000), trabalho de Buainain, é uma viagem pela transcendência da imagem e do ser humano. Ambos trabalham fortemente para conectar o Rio Grande do Norte ao resto do Brasil. A ajuda nesse sentido veio também do distante Paraná, na figura de Orlando Azevedo, lendário fotógrafo e produtor cultural – nascido ainda mais longe que os demais, no arquipélago dos Açores, e há várias décadas radicado em Curitiba (PR).
Orlando Azevedo, que, entre outras coisas, promoveu os três eventos que marcaram a Bienal de Fotografia de Curitiba, angariando um alentado acervo da imagem brasileira no Museu de Fotografia Cidade de Curitiba, lançou um manifesto “fotografia em transe” em maio de 2012. Segundo ele, é uma “metáfora ao ato criativo”.
Os novos ventos soprando em direções diferentes são resultado direto de uma falta de confiança e acolhimento nas estruturas estabelecidas no eixo Rio-São Paulo, o que faz com que fotógrafos importantes queiram expandir as atuações de ambos os lados. Tanto os produtores potiguares querem mostrar seus trabalhos fora do Estado quanto os produtores de outros Estados querem levar suas novidades para o Rio Grande do Norte.

Grupo unido
Parte desse sucesso na região vem da dedicação de Numo Rama e de vários outros fotógrafos, como Sônia Figueiredo, professora de fotografia no Senac de Natal, que coordena os cursos no Alumiar e no Foto RN (fórum da fotografia); Hugo Macedo, proprietário da escola de fotografia Huma, de Natal; Angela de Almeida, artista plástica e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte; e de fotógrafos conhecidos como José Frota, Pablo e Paula Geórgia Pinheiro, além de Buainain, um dos coordenadores do primeiro encontro. Juntos, conseguem dar consistência ao movimento fotográfico, atraindo por força de seus trabalhos muitos correligionários.
O espaço geográfico que acolhe a Fulô da Pedra, pousada de propriedade de Rama, onde tudo acontece, é um cenário deslumbrante que atrai hikers e trekkers. Fica praticamente dentro do Parque Estadual da Pedra da Boca, no município de Serra de São Bento (RN). A propriedade conta com chalés aconchegantes e um excelente restaurante, capitaneado pela sueca Annika Hafstron, casada com Rama, ajudada fielmente pelos dois filhos do casal, Ana Maria e Gabriel (com 11 e 13 anos). O mais velho, além de ajudar na organização do local, ainda atua como guia para os turistas brasileiros e estrangeiros que visitam a região.
Numo Rama conta: “A única coisa que não tem na Fulô da Pedra é internet e televisão. O objetivo do Movimento Alumiar é a concentração na discussão das ideias sobre fotografia, compartilhar conhecimento e dividir experiências”. Para o mato-grossense Buainain, “o grande diferencial do Alumiar é a democratização do convívio humano entre todos os participantes”.
A estrutura do lugar favorece essa interação. Alunos e professores, fotógrafos conhecidos e diletantes se encontram com amadores ou emergentes. “Queremos que todos se sintam em casa. Creio que as mesmas dúvidas que tenho como fotógrafo muita gente tem também”, diz Numo Rama, um autodidata na fotografia. “Entrei a fundo na fotografia para compreender a mim mesmo. Minha crise existencial migrou para a fotografia”, diz sorrindo.
Rama conta que comprou a primeira câmera fotográfica por uma questão de sobrevivência: “trabalhava em Portugal, e a câmera surgiu como algo que poderia vender caso as coisas piorassem no inverno”, lembra. Entretanto, acabou se apegando ao equipamento e passou a produzir, até viver das imagens, vendendo fotos nas ruas da cidade do Porto, onde foi morar já com a mulher Annika, em 1995.

Livro para aprender
Com a câmera, ele começou a ver um Portugal histórico e comprou o primeiro livro técnico, Fotografia Básica, do inglês Michael Langford (1933-2000), um clássico que vem sendo reeditado há décadas, mesmo depois de sua morte. O espírito inquieto de Rama o levou a fotógrafos como o checo Josef Kouldelka, da Magnum, de quem é um profundo admirador.
Outro fotógrafo importante em seu repertório é o sueco Christer Stromholm (1918-2002), de outra não menos famosa agência, a também francesa VU.
De volta ao Brasil, Numo Rama embarcou em uma série de projetos pessoais que culminaram no então Prêmio Porto Seguro de 2004, passou por períodos sabáticos desenvolvendo a pousada. Mas desde 2011 vem pensando o Movimento Alumiar como forma interativa de conhecimento.

