Com pouco mais de 100 habitantes e apenas duas ruas de terra batida, a vila de Nazaré de Mocajuba, a 150 km de Belém (PA), foi o local escolhido pelo fotógrafo Alexandre Sequeira para trabalhar por dois anos. A atração pelo vilarejo não se apoiou na ideia de conviver com o diferente, mas sim de vivenciar valores básicos e inerentes ao ser humano, os quais se mostram tanto em habitantes de uma afastada comunidade quanto nos grandes centros urbanos. Durante a estada na vila paraense, o fotógrafo constatou que entre esses valores universais está a capacidade das pessoas, mesmo as mais humildes, de ter uma apreciação estética e uma identificação da arte.
Entre 2004 e 2005, Sequeira atuou como retratista dos moradores, muitos dos quais nunca haviam se visto em fotografia. Depois de estabelecer uma boa relação com os habitantes, Sequeira lançou a eles uma proposta: levaria um tecido da casa, como mosquiteiros, cortinas ou lençóis, e trocaria por um novo. Nos tecidos antigos ele imprimiu, por meio de técnicas de serigrafia, os retratos dos donos em tamanho real e os expôs na comunidade. “Como muita gente não tinha conseguido ver, propus a eles que ficassem por um fim de semana com o retrato em casa. Ao passar pelas moradias, vi que o que antes era apenas uma toalha de mesa, tornou-se algo mais importante. As pessoas que fotografei passaram a se relacionar de forma diferente com aqueles objetos do cotidiano”, observou Sequeira, ao ver que os tecidos foram expostos pelos moradores em locais como portas ou entradas das casas, como se fossem quadros.
“A fotografia trabalha com o autorreconhecimento. Eles se identificaram e reconheceram que os tecidos tinham um valor que merecia atenção”, analisa Sequeira. “Estamos acostumados a uma sociedade que devora a imagem. Por isso, costuma- se subestimar o valor da imagem e superestimar o conhecimento da arte, tido como restrito. Isso acaba fazendo da arte um meio de segregação”, comenta.
No momento atual, em que a fotografia como arte parece restrita às galerias, museus e a pequenos grupos de intelectuais, o resultado do trabalho de Sequeira, que mostra a percepção da arte por indivíduos que nunca frequentaram esse meio artístico, suscita uma discussão: quem determina se a fotografia é arte e com quais critérios isso é feito?

A intenção do fotógrafo
Pensadores da fotografia e curadores são da opinião de que a fotografia é arte sempre que o produtor, no caso o fotógrafo, decide por isso. “A arte é a intenção. O fotógrafo deve fazer aquilo com a finalidade artística”, acredita Pedro Vasquez, crítico e curador de fotografia. “A arte é dada pelo aspecto não utilitário. A fotografia artística não é como uma fotografia publicitária, de medicina ou jornalística, que têm outras funções. A fotografia artística não tem função e só tem valor como ela mesma”, completa.
Mas há quem produza imagens artísticas sem necessariamente ter consciência disso e muito menos exerça a fotografia como profissão. O engenheiro Luiz Luxvich, do Rio de Janeiro (RJ), e a dentista Cristina Domingos, de Santos (SP), são dois exemplos.
Luxvich faz um trabalho de incrível beleza plástica ao fotografar splashes de gotas que formam imagens com cor e movimento. Criou sistemas que usam infravermelho, interrupção de feixe laser ou detecção de som para sincronizar a captura com o momento exato do impacto de uma gota na água. Já Cristina usa a macrofotografia de objetos corriqueiros para criar incríveis imagens abstratas que mostram texturas, deformações e desfoques em meio a muita cor. Ambos têm técnicas bem definidas, sem usar nada de Photoshop, para chegar ao mesmo fim: imagens criativas e de apelo estético. Poderiam estar em galerias, mas não estão. Eles não foram descobertos pela intelligentsia da fotografia brasileira ou, por não terem formação artística, passam despercebidos por ela.



A técnica e o porco
É diferente, por exemplo, do fotógrafo carioca Renan Cepeda, que deixou o fotojornalismo com a intenção clara de se dedicar à arte – e foi reconhecido como artista.
Como o engenheiro e a dentista, Cepeda usa técnicas fotográficas bem específicas para chegar ao resultado artístico: filme infravermelho e light painting para construir imagens com um clima fantástico, que lembram pinturas realistas.
Há, porém, quem questione que a intencionalidade do autor seja a razão que define o caráter artístico para os objetos. Um marco dessa provocação foi a atitude do artista paulistano Nelson Leirner, em 1966. Ele enviou ao Salão de Arte de Brasília um porco empalhado dentro de um engradado de madeira e, depois de a obra ter sido aceita, questionou ao júri os motivos que levaram à sua aceitação, ironizando os critérios que a tornam arte e desmistificando o objeto artístico. O presidente do júri, o crítico Mário Pedrosa, publicou a resposta no jornal Correio da Manhã, em um longo artigo intitulado Do Porco Empalhado ou os Critérios da Crítica, no qual afirmava que, na arte contemporânea, o que conta não é a obra em si, mas sim a atitude do artista, como o fato de enviar o porco empalhado ao Salão.


