Nada mais natural para fotógrafos das novas gerações do que pegar uma câmera digital ou um smartphone, captar uma imagem e vê-la colorida. Depois, para torná-la mais “artística”, converter para P&B. Essa sugestão de que sempre houve um predomínio da cor na fotografia é enganosa. O filme colorido só se tornou popular a partir dos anos 1970 e, como a era digital se firmou a partir de 2005, pode-se dizer que o período foi de apenas três décadas. Antes disso, o bom e velho filme P&B ainda dava as cartas.
Embora a maioria do público se contentasse com a imagem monocromática (muito também por uma questão de custo), desde os primórdios da fotografia se perseguia a ideia de mostrar as cores do mundo captadas por uma câmera. Nomes como James Clerk Maxwell, Thomas Sutton, Louis Ducos du Hauron, Sarah Angelina Acland e Sergey Prokudin-Gorsky talvez não lembrem nada ligado à evolução da fotografia se comparados a outros como Joseph Niépce, Louis Daguerre, William Fox Talbot, Hercules Florence, George Eastman e Ansel Adams.

Mas os primeiros nomes citados são de pioneiros da fotografia colorida, sendo que o escocês James Clerk Maxwell foi o mais genial de todos. Nascido em Edimburgo, Maxwell (1831-1879), físico e matemático, é celebrado pela elaboração final da teoria do eletromagnetismo, união de eletricidade, magnetismo e óptica – seu trabalho nesse tema serviu de base para a teoria da relatividade de Albert Einstein.
Cientista do século 19 com mais influência sobre a física do século 20, Maxwell tinha especial interesse na percepção de cores pelo olho humano. Por isso, inventou um filtro de cores triplo (que mais tarde resultaria no sistema RGB) e, nos seus estudos de visão humana e óptica, concluiu que era possível produzir fotografia em cores sobrepondo três imagens obtidas com filtros vermelho, verde e azul. Para comprovar isso, ele exibiu em 1861, durante uma palestra, a primeira imagem colorida que se tem notícia, feita pelo fotógrafo inglês Thomas Sutton, conforme suas orientações.

O francês Louis Ducos du Hauron (1837-1920) é outro a figurar no time dos pioneiros na fotografia colorida. Du Hauron se dedicou à criação de formas práticas de produção de imagens coloridas com o uso de cores aditivas (vermelho, verde e azul) e subtrativas (ciano, magenta e amarelo). Ele patenteou os processos em 1868 e no ano seguinte publicou o estudo Les Couleurs en Photographie. Seu trabalho mais conhecido em fotografia colorida é a obra “Paisagem no Sudoeste da França”, feita com base no método subtrativo em 1877.
As experiências da inglesa Sarah Angelina Acland (1849-1930) com fotografia colorida começaram em 1899. O trabalho inicial foi realizado usando o processo de Maxwell, porém mais evoluído, em que três imagens são captadas separadamente com filtros vermelho, verde e azul e depois transformadas em uma só, colorida. Em 1904, uma série de Sarah fez parte da exposição anual da Royal Photographic Society da Grã-Bretanha. Foram 33 imagens coloridas feitas no ano anterior em Gibraltar, território ultramarino britânico na costa sul da Espanha. Três anos depois, ela usou o Autochrome, primeiro filme colorido, e produziu várias imagens na Ilha da Madeira, em Portugal.
O russo Sergey Prokudin-Gorsky (1863–1944) dedicou sua vida ao avanço da fotografia colorida, tendo feito estudos com cientistas de renome em São Petersburgo, Berlim e Paris para desenvolver técnicas. Como resultado, conseguiu as primeiras patentes de filmes diapositivos coloridos e de projeção de filmes com movimento. Em 1905, Prokudin-Gorsky iniciou um projeto grandioso de documentar com imagens coloridas a diversidade de história e cultura do então Império Russo para uso em aulas nas escolas.



O filme colorido
O primeiro filme colorido, o Autochrome, chegou ao mercado em 1907 e foi lançado pelos famosos irmãos Lumière, Auguste Marie (1862-1954) e Louis Jean (1864-1948), mais conhecidos como os inventores do cinematógrafo e tido como “os pais do cinema”. O Autochrome se destacou como o principal processo para fotografia colorida no início do século 20 por ser o primeiro comercialmente viável. O sistema se baseava em um mosaico de grãos microscópicos de fécula de batata tingidos em três cores primárias (vermelho alaranjado, verde e azul-violeta) sobre uma placa de vidro, coberta por uma emulsão pancromática – os vãos entre os grãos eram preenchidos com carvão.
Como isso tornava necessário um longo tempo de exposição, o Autochrome geralmente produzia imagens borradas e, somado ao fato de os grãos ficarem muitas vezes visíveis, o resultado lembrava uma pintura impressionista. E havia um problema sério: as placas finais eram escuras e precisavam ser vistas sempre contra a luz.
O negócio dos irmãos Lumière começou a declinar com o lançamento do primeiro filme colorido moderno, o Kodachrome, introduzido em 1935 pela Kodak do americano George Eastman e baseado em três emulsões coloridas. Para acabar de vez com o Autochrome francês, em 1936 foi lançado o primeiro filme colorido alemão, o Agfacolor.


O Kodachrome, filme diapositivo, foi produzido em diversos formatos para fotografia e cinema (8 mm, 16 mm e 35mm), transformando-se em uma das melhores películas de todos os tempos graças às suas qualidades de reprodução de cor. Mas o filme usava o processo de revelação K-14, tão complexo que existiram apenas 25 laboratórios no mundo capazes de fazer a revelação – o último foi o laboratório Dwayne’s Phot, no Kansas, EUA, que ofereceu o serviço até o final de 2010. Nesse ponto, o Agfacolor tinha uma vantagem importante sobre o Kodachrome: a Agfa encontrou uma maneira de fabricar um filme com um processamento bem mais simplificado.
Em 1941, a Kodak deu um passo fundamental para o início da popularização do filme colorido ao lançar o Kodacolor. Ao contrário do Kodachrome, a película foi projetada para ser processada em uma imagem negativa, não apenas com luz e sombras invertidas, mas também com cores complementares. A descoberta do negativo colorido para fazer impressões em papel simplificou o processamento em laboratório e reduziu o custo para o consumidor – mas ainda assim era bem mais caro se comparado com o P&B, o que fez com que o Kodacolor não se transformasse em um sucesso comercial entre o grande público de fotógrafos amadores.
Só a partir de 1960 é que o filme colorido passou a ganhar alguma popularidade nos Estados Unidos e na Europa, mas ainda tendia a ser reservado para fotos de viagens e ocasiões especiais. Com a queda de preços do produto e dos serviços de laboratório nos anos 1970, assim como uma melhoria na sensibilidade do filme negativo colorido (e com mais acesso de fotógrafos amadores à novidade do flash eletrônico), a cor foi ganhando cada vez mais espaço no mercado e na vida das famílias.



Mago da cor
O austríaco Ernst Haas (1921-1986), um dos célebres e influentes fotógrafos do século 20, é tido como um dos principais inovadores no uso da fotografia colorida no mundo profissional de alto nível. Nascido em Viena, seu primeiro trabalho importante foi sobre prisioneiros de austríacos que retornavam para casa após o fim da Segunda Guerra. Esse material chamou a atenção de editores da revista Life, mas Haas recusou a oferta de emprego para manter sua independência como fotógrafo. Não renegou, contudo, o convite do consagrado húngaro–americano Robert Capa para fazer parte da mítica agência Magnum em 1949 – ano em que ele também fez as primeiras experiências com fotografia colorida.
Com o posto de vice-presidente da Magnum nos Estados Unidos, Haas se mudou para a cidade de Nova York em 1951. Inovador por excelência, começou a experimentar o Kodachrome e, não muito tempo depois, já era considerado um “mago” no uso da cor. Como colaborador da Life, ele produziu em 1953 um ousado ensaio colorido sobre Nova York que ocupou 24 páginas – era a primeira vez que um trabalho colorido tão extenso era publicado pela revista. Outro pioneirismo: a primeira exposição de fotografia em cores feita no Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova York, em 1962, foi uma retrospectiva do trabalho de Ernst Haas – somente 14 anos depois o MoMA abriria seu espaço para outra exposição do gênero, a exposição Fotografia em Cores, do fotógrafo americano William Eggleston.
Ao longo da carreira, Haas viajou pelos Estados Unidos e pelo mundo fotografando para a Life e várias outras revistas famosas, como Vogue e Look. Também foi autor de cinco livros, The Creation (1971), In America (1975), In Germany (1977) e Himalayan Pilgrimage (1978). No ano de sua morte, em 1986, ele recebeu os renomados Prêmio Hasselblad e a Medalha de Excelência Leica. Depois, Haas ainda se manteve em evidência com concorridas exposições que rodaram por várias parte do mundo, como Ernst Haas, Color Photography (1989), Ernst Haas Black & White (1992) e Color Correction (2011).



Com uma linguagem pictórica que às vezes lembra obras do pintor Edward Hopper, Haas já foi descrito como um fotógrafo-poeta. O uso de baixa velocidade de obturação em cenas de ação, como touradas e corridas de automóveis (veja mais na edição 283), é mais uma de suas marcas e influências. Um fato curioso marca a entrada de Ernst Hass na fotografia: em 1946, em plena Segunda Guerra, ele conseguiu no mercado negro sua primeira câmera, uma Rolleiflex, em troca de 10 quilos de margarina dados pelos pais em seu aniversário de 25 anos.