
Ver o trabalho de um grande fotógrafo internacional exposto no Brasil é sempre uma oportunidade de aprender algo. Com o trabalho da americana Susan Meiselas, a maior lição está na forma como ela documenta questões humanitárias e trata de suas narrativas fotográficas, seja em regiões de conflito ou acompanhando mulheres em shows de striptease. Esse material pode ser visto no Instituto Moreira Salles (IMS) da Avenida Paulista, em São Paulo (SP), até dia 1o de março de 2020. São 40 anos de carreira resumidos na mostra retrospectiva Susan Meiselas: mediações, com cerca de 180 imagens.
Na noite de abertura da exposição, em outubro de 2019, Susan Meiselas, 71 anos, mostrou ao público o que é o envolvimento de um fotógrafo com seus temas, principalmente quando a questão humanitária está mais próxima, caso do trabalho que ela fez no Curdistão, nome dado à região histórico-cultural habitada de forma majoritária pelos curdos, com cerca de 500 mil km², compreendendo territórios na Turquia, no Irã, na Síria e no Iraque. Na primeira fala, ela mal conteve as lágrimas ao dizer que, no momento em que estava ali, os americanos haviam retirado suas forças militares da fronteira entre Síria e Turquia, abrindo caminho para uma ofensiva dos turcos, que querem dominar à força a região controlada pelos curdos.

Esse envolvimento com a causa curda começou em 1991, quando a fotógrafa da lendária agência Magnum entrou no Iraque para registrar as aldeias destruídas pelo ditador Saddam Hussein na ofensiva de Anfal, em 1988. Ao retornar ao Iraque em dezembro de 1997 com o antropólogo forense Clyde Snow, ela documentou a exumação dos restos mortais de curdos enterrados em massa (muitos, vítimas de armas químicas). É dessa viagem que surge o livro Kurdistan, in the shadow of history (Chicago Press, 2008).
Ela diz que o conteúdo de sua mostra certamente não tem um impacto profundo na situação dos curdos, mas com a disseminação da informação sobre eles sendo mais ampla, ajuda as pessoas a ter uma compreensão geral sobre suas reivindicações. “O povo do Curdistão hoje entende melhor as coisas, mas não vai parar de cair bombas em cima deles”, comenta.


O fotojornalismo hoje
Na contrapartida do esvaziamento comercial do fotojornalismo, o alcance das imagens hoje é muito maior que nos anos 1970. “Pensávamos que a fotografia fazia uma ponte com o mundo, mas temos imensas limitações. Ainda assim a fotografia pode ser valiosa. Acredito que agora podemos assimilar com mais complexidade o mundo. Eu questiono todo o tempo. Não é um tempo fácil que estamos vivendo, temos que achar novos meios de tocar as pessoas, é um desafio em movimento”, avalia Meiselas.
O fotógrafo alemão Thomas Hoepker disse no Festival Paraty em Foco de 2008 que, naquela ocasião, via a Magnum querendo produzir “imagens para a parede”, voltadas para arte e decoração. Ela comenta: “Meu sentimento olhando para a Magnum hoje é que ainda vejo a força de Robert Capa e Cartier-Bresson no fotojornalismo”. Mas ela alerta que a cooperativa vem mudando seu espectro desde o princípio, com diferentes pontos de vista de trabalho e de plataformas. “Em 1976, quando o trabalho da Nicarágua estreou em revistas, penso que ilustrávamos os textos. Hoje é diferente, mas ainda tem gente trabalhando assim. É mais difícil achar maneiras de sobreviver para os jovens fotógrafos atualmente”.

de junho de 1978
Com apenas dois anos de Magnum, Susan Meiselas embarcou para a Nicarágua para cobrir a chamada Revolução Sandinista, que depôs o ditador Anastacio Somoza (morto em 1980 quando um projétil de bazuca acertou seu carro durante o exílio no Paraguai). Fez imagens que correram o mundo e que catapultaram sua carreira definitivamente.
As fotos produzidas durante a Revolução Sandinista estão sendo exibidas em uma espécie de instalação, Nicarágua: mediações (1978-1982). A obra inclui também páginas de revistas onde as imagens foram publicadas. Ao lado, há uma projeção do vídeo Reenquadrando a história, que documenta uma intervenção realizada por Meiselas e Alfred Guzzetti em 2004, no aniversário de 25 anos da insurreição do país, que desde julho de 1979 tem o ex-guerrilheiro Daniel Ortega como presidente. Na sequência, ela foi para El Salvador, que em 1979 sofreu um golpe de estado.

magem da série Curdistão, feita no norte do Iraque em 1991
Na estrada com stripers
Susan Meiselas também é reconhecida por trabalhos anteriores ao de coberturas de conflitos, como Carnival Stripers, de 1976, ano em que ingressa na Magnum Photos. Essa é uma de suas séries mais conhecidas, e ganhou uma sala no IMS. É o primeiro documentário que já adiantava o longo envolvimento com seus projetos: nos verões de 1972 a 1975, ela acompanhou um grupo de mulheres em shows de striptease na Nova Inglaterra, região nordeste dos Estados Unidos que abrange os estados de Maine, Vermont, Nova Hampshire, Massachusetts, Connecticut e Rhode Island.
Além de fotografar, gravou depoimentos com as mulheres stripers, com clientes e gerentes dos eventos. “Interessava-me observar como elas eram vistas dentro daquele mundo e ouvir o que elas tinham a dizer sobre si próprias em vez do que as pessoas falavam delas. Um processo de identificação consigo mesma no sentido dos desafios que a vida impõe”, explica a fotógrafa.

Nascida em 1948, em Baltimore, Maryland, ela se graduou em Educação Visual na Harvard University School of Education. Foi nessa escola, em Cambridge, que ela começou a fazer retratos em negativos 4 x 5 polegadas dos colegas, cada um deles acompanhado de um texto que explicava como eles se viam nas imagens. Simultaneamente também foi assistente do documentarista Frederick Wiseman no filme Basic Training, de 1971.
Na mostra em São Paulo estão os principais trabalhos antigos de Susan Meiselas e alguns mais recentes, como o sobre violência doméstica e de adolescentes de rua. Antes de chegar ao IMS Paulista, a exposição passou pelas cidades de Barcelona, Paris e São Francisco. A curadoria é da catalã Marta Gili, nova diretora da École Nationale Supérieur de la Photographie, em Arles, França; da zimbabuense Pia Viewing, curadora do Jeu de Paume, de Paris; e do catalão Carles Guerra, diretor da Fundació Antoni Tàpies, de Barcelona.
