A fotógrafa carioca Marta Azevedo, 64 anos, cresceu cercada pela cultura negra, frequentando terreiros de umbanda e participando de rodas de samba, em Madureira, no famoso subúrbio da cidade do Rio de Janeiro. Apaixonada por essa etnia tão presente na vida dela, começou a desenvolver um projeto pessoal sobre o tema. Como experimento foi retratando afros em poses comuns, luz natural e cenários genéricos. Mas somente em 2005, quando foi viver nos Estados Unidos, é que o projeto se aperfeiçoou.
Baseada em Dallas, no Texas (onde morou por 10 anos), Marta comprou dois flashes e aprendeu sozinha os macetes da fotografia de estúdio – ao mesmo tempo, colocou um anúncio em um site convocando pessoas negras para posar em troca de algumas fotos. Foi a partir dessa experiência que a fotógrafa adotou o fundo preto e descobriu a importância da expressão facial no retrato. Enquanto no aparelho de CD o samba rolava, Marta clicava os modelos americanos e imigrantes (principalmente nigerianos e sudaneses) que aceitavam ter o rosto pincelado de argila ou com intervenções de palha ou cordas de sisal – a ideia era sempre inserir elementos de raízes afro-brasileiras.
De volta ao Brasil, Marta manteve a proposta. Lançou em 2012 o livro Black Faces, mesmo nome que leva o projeto autoral, com participação e depoimentos de atores como Isis Valverde e Bruno Gagliasso. De lá para cá, o trabalho dela ganhou ainda mais força e o projeto está na segunda fase, com retratos de celebridades afro-brasileiras como o cantor Toni Garrido, o atleta Robson Caetano, o comediante Hélio de la Peña, o ator Babu Santana e a cantora Mart’nália – neste caso, a sessão de fotos também rendeu à fotógrafa a capa do CD da filha de Martinho da Vila.





Foi criticada por ser branca
Marta Azevedo se define como “branquela, de olho azul e cabelo loiro cacheado”. De família miscigenada, em que o bisavô era de origem espanhola e a bisavó, mestiça, a retratista passou a infância em Madureira convivendo fortemente com a cultura afro. Ali viu uma prima se tornar mãe de santo na umbanda e estava acostumada a presenciar as mulheres da ala de baianas da escola de samba Império Serrano irem na casa do avô pedir a benção na capelinha que ficava no quintal da casa.
Por causa dessa paixão pela cultura afro-brasileira tão comumente enraizada na vida dela, a menina de olhos azuis, apaixonada por samba e crescida em meio às rodas de jongo, escolheu retratar pessoas negras como tema do projeto, que, segundo ela, era pela pura razão de ser algo tão apaixonante e costumeiro no seu cotidiano. O trabalho foi muito bem aceito, inclusive nos Estados Unidos, onde a questão racial tem discussões de proporções muito maiores que no Brasil. Mas foi justamente aqui que Marta sofreu alguns ataques discriminatórios.
Ela conta que compareceu a um evento para a juventude do qual foi convidada para apresentar sua série de fotos no Dia da Consciência Negra e acabou interrogada pela plateia, tanto por afros quanto por brancos: “Minhas fotos não foram questionadas, e sim minha cor. Recebi críticas por ser uma branca fotografando negros. Se isso realmente tivesse fundamento, Pierre Verger não teria chegado aonde chegou”, lembra a fotógrafa, que seguiu adiante com o trabalho e atualmente tem um home estúdio, onde também é muito procurada pelo seu trabalho de retratos em geral.
O projeto Black Faces rendeu à retratista diversos prêmios, como o do site Lensculture na categoria Portrait; publicações internacionais, como nas revistas Lens Work Magazine, dos EUA, Adore Noir, do Canadá, e Silvershotz, da Austrália (onde Marta foi selecionada como uma das 25 melhores fotógrafas dos últimos 10 anos da publicação). Já expôs o trabalho nos festivais Paraty em Foco (Rio de Janeiro) e Art Basel (Miami, EUA).




Elementos e luzes
Com um esquema de iluminação muito versátil, Marta Azevedo usa duas fontes de luz para seus retratos: duas cabeças de flash e duas sombrinhas. Como ela é amante de iluminação mais dramática, costuma abusar da luz mais na lateral. O fundo de papel preto associado à captura em cor permite que a retratista, na pós-produção, ressalte melhor as expressões do rosto, e faça ajuste de contraste e saturação do P&B.
Os retratos são feitos com uma Nikon D7500 e lente 17-55 mm f/2.8, e Marta procura inserir elementos no rosto dos modelos, como corda de sisal, argila misturada com água (técnica inspirada em tribos africanas e no candomblé), além de folhas, plantas, contas e tecidos, utilizados como turbantes. Ao dirigir as poses, ela prefere as expressões mais sérias, sem que a pessoa pareça sisuda. Explica que raramente capta sorrisos para o trabalho Black Faces por buscar um clima mais comovente.
A medição de luz é outro ponto importante do trabalho da retratista, pois ela precisa equalizar o fundo preto com a pele negra. Marta confessa que não usa fotômetro de mão e costuma realizar a medição de maneira intuitiva, usando a habilidade e testando na hora do clique. “Peguei o jeito de fazer e, além disso, costumo mexer bastante na minha luz para não ficar sempre do mesmo esquema. Jogo para o lado, coloco para frente ou de trás para frente, não tenho muitas regras. Só preciso ser rápida quando estou trabalhando com argila, pois, quando ela seca, esfarela e perde o efeito”, explica.
Com o projeto na segunda fase, Marta Azevedo já fotografou diversos ativistas do movimento negro, como o ex-BBB, escritor e diretor teatral Rodrigo França, a jornalista Flávia Oliveira e a escritora Eliana Alves Cruz. Pretende convocar mais gente influente entre os afro-brasileiros e publicar um segundo volume do livro, dando continuidade ao trabalho pessoal. Para conhecer mais sobre o trabalho dela, acesse:
@martaazevedophotos.



