Para especialistas, não há discussão: a Leica M3 foi a melhor câmera no formato 35 mm de todos os tempos – com todo o mérito para as objetivas também. Simples, precisa, resistente e confiável, era o equipamento-padrão do fotojornalismo da época. Lançada em 1954, na quarta edição da Photokina, a grande feira do setor fotográfico que ocorre em Colônia, Alemanha, a nova câmera causou impacto: avançada para a época e com design atraente, substituía as rangefinders da geração anterior, cujo visual e funcionamento remontavam à primeira Leica com telêmetro, de1932.
O grande mestre francês Henri Cartier-Bresson, adepto de câmeras da Leica, fez com a M3 muitas de suas fotos históricas. Como Bresson era um fotógrafo muito discreto, o fato de ela ser pequena, silenciosa, rápida e fácil de regular fez da M3 uma inseparável companheira dele. Além disso, as lentes superluminosas que a equipavam captava as pessoas e o clima do ambiente com uma naturalidade sem precedentes.
Como Bresson, centenas de grandes fotógrafos mundo afora fizeram da M3 seu instrumento de trabalho durante anos a fio. Ela foi fabricada oficialmente até 1967, depois de se tornar o modelo mais vendido da Leica. Mas muitas câmeras usadas continuaram no mercado e foram disputadas “a tapa” até meados dos anos 1990. Ainda hoje é uma das clássicas mais desejadas por colecionadores, e um bom exemplar alcança preços entre US$ 5 mil e US$ 8 mil, somente o corpo, no mercado externo.


para a colocação do filme

Três janelas
Um conjunto com objetiva Summicron 50 mm f/2, de nitidez e contraste excepcionais, a M3 chegou com uma novidade na parte frontal: três janelas retangulares – a maior, do visor; a do meio, para iluminação dos “frames” (molduras) de enquadramento; e a terceira, menor, do telêmetro. O visor tinha fator de ampliação de 0,91, próximo ao da imagem real, e mostrava excelente visão em baixa condição de luz. A grande sensação era o telêmetro, que ganhou maior precisão devido à base mais alongada.
çA M3 foi a primeira a vir com três molduras brilhantes no visor, uma para cada distância focal das lentes de 50, 90 e 135 mm. O ajuste era automático: bastava encaixar a respectiva objetiva. Para correção da paralaxe, as molduras se moviam com o ajuste do foco, mas em distância limitada até um metro.
Para mais rapidez, a M3 ganhou uma alavanca de avanço do filme, substituindo o arcaico botão de girar. Mas, nas versões iniciais, era preciso dar duas “alavancadas” curtas (double stroke) para movimentar a película – demorou quatro anos para ela ganhar uma alavanca de curso normal. Essa conduta, típica da exigente indústria alemã, também explica o botão de rebobinar, idêntico ao das câmeras Leica mais antigas. Como “sofisticação”, recebeu um segundo “pontinho” vermelho, que girava para indicar o movimento do filme.

Modernidades
Preparada para novos tempos, as objetivas inauguraram a era da baioneta M e tinham movimento de somente 300. Para usar o flash, acessório que se popularizava na época, ela vinha com dois contatos, um para cada lâmpada descartável (bulb) e o outro para flash eletrônico. Mas a Leica decidiu instalá-los na parte de trás da câmera, ao lado do visor, o que incomodava bastante.
Ao trabalhar em baixa tensão, o obturador de cortina, feito em tecido, oferecia velocidades de 1s a 1/1.000s, com sincronismo de flash em 1/50s. No primeiro modelo, as velocidades seguiam o padrão alemão: 1/10s, 1/25s, 1/50s… Logo depois adotaria o sistema internacional hoje utilizado. O importante era que todas as velocidades tinham um só botão de ajuste, inclusive as mais lentas – que nas Leica mais antigas eram reguladas por meio de um botão em separado, na parte frontal da câmera.
As inovações viabilizaram o uso de um fotômetro (opcional) encaixado na câmera. Os primeiros, de selênio e com fotocélula CDS, eram bem mais precisos e sensíveis. O contador de exposições também surpreendia: era embutido, exibido por uma grande janela, e tinha retorno instantâneo no momento em que se trocava o filme.

Concorrência
Desde que lançou a Leica II, em 1932, com o formato 35 mm, telêmetro e lentes intercambiáveis, a empresa alemã passou a ter um monte de concorrentes que criaram imitações – empresas de Japão, EUA, Itália, França e União Soviética foram algumas das imitadoras.
Com o tempo, a Leica foi sentindo a perda de mercado para essa concorrência (principalmente japonesa), que fazia ótimas câmeras por preços menores. Até que, em 1950, “levou uma surra” da moderna Nikon S, descoberta por fotógrafos da revista americana Life nos campos de batalha da guerra da Coreia.
Desafiada, quebrou um tabu de 30 anos para lançar a revolucionária M3. Era um projeto que já durava nove anos de estudo na fábrica da pequena Wetzlar, na Alemanha, e tinha passado por 65 protótipos. O “M” vem de “messsucher” (com três “s” mesmo), que significa telêmetro, em alemão.
No lançamento, em 1954, durante a Photokina, a publicidade a descreveu como “incomparável e surpreendente”. Nada mais adequado, dizem os especialistas, pois ninguém mais, nem mesmo a própria Leica, produz câmeras como essa hoje em dia.