Se nos primórdios da fotografia a longa exposição era dominante, obrigando as pessoas a parecer estátuas, sem mover um músculo quando eram retratadas, com a evolução tecnológica do equipamento, a busca pela exposição mais curta, com altas velocidades que congelam o movimento, virou um padrão. Nitidez e foco ainda são dominantes nessa era digital, que produz milhões de imagens diariamente. Por isso, o desfoque de movimento e o tremor proposital que causa borrões quebram paradigmas, chamam a atenção de quem observa a imagem e, em certos casos, são tidos como visões artísticas.
Mas isso não quer dizer que basta errar na exposição para fazer “arte”. Para usar corretamente a baixa velocidade do obturador, em frações de segundos ou em segundos cheios, é preciso dominar a técnica.
No final do século 19, nos anos 1870, o inglês Eadweard Muybridge (1830-1904) deu início à era da alta velocidade na fotografia com experimentos científicos que levaram à criação da imagem em movimento, ou seja, o cinema. Já no final da década de 1930, o americano Harold Edgerton (1903-1990), professor de Engenharia Elétrica do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), começou a experimentar várias unidades de flashes para captar o movimento em alta velocidade em um único fotograma. Nesse período, o uso da alta velocidade era o desafio; congelar o movimento de maneira perfeita, o objetivo. Mas isso tudo começou a mudar na metade dos anos 1950 quando um austríaco chamado Ernst Haas (1921-1986) rompeu com os padrões da fotografia vigente ao usar filme colorido para mostrar o movimento como uma trilha borrada de cores.
Haas, membro da famosa agência Magnum, foi um dos pioneiros no uso de filme colorido em uma época que isso era visto com desconfiança pelos profissionais. A série de imagens que fez de uma tourada em Pamplona, Espanha, em 1956, para a revista americana Life, entrou para a história da fotografia como exemplo do uso ousado e criativo da baixa velocidade do obturador. Dominar essa técnica foi a maneira que ele encontrou de se diferenciar. Ou ajustava uma velocidade lenta na câmera ou explorava a pouca sensibilidade do filme quando os níveis de luz eram muito baixos para congelar a ação, mesmo nas velocidades mais altas do obturador.
Ele começou a fazer experiências com as ágeis câmeras 35 mm, explorando pontos de luz em movimento, acompanhando horizontalmente o objeto (panning) ou balançando a câmera para cima e para baixo (jiggling), deixando o assunto “borrar” – publicou várias fotos assim na renomada revista Life. Segundo Haas, “a fotografia é uma transformação, não uma reprodução”, e suas experiências representavam “um tipo visual de poesia” – vale lembrar que a baixa velocidade do obturador e, por consequência, a longa exposição também é fundamental para registrar paisagens noturnas com ou sem o céu estrelado (veja mais na edição 278), e para light painting (leia na edição 242), temas que não serão abordados nesta matéria.


Foco x borrão
Ernst Haas, que se fixaria em Nova York até sua morte, influenciou gerações de fotógrafos desde os anos 1960, como o fotojornalista carioca Fernando Frazão, que atualmente usa a técnica na cobertura de competições esportivas. No entanto, a preocupação fundamental de quem começa na fotografia é primeiro garantir que o movimento esteja congelado e em foco. Somente depois de aprender como impedir que a imagem fique tremida ou desfocada é que muitos passam a entender o tremor e o borrão deliberado como elemento criativo – e esse é o caminho natural.
Como não é possível predeterminar o efeito, o ideal é ajustar várias baixas velocidades do obturador para depois escolher a foto mais interessante. Uma sugestão é começar com 1/30s ou 1/15s, experimentar 1/8s ou 1/4s e avançar para um segundo inteiro ou um pouco mais. Um dos clássicos nesse sentido são as cachoeiras e corredeiras com a água parecendo leitosa, influência direta de outro mestre da fotografia, o americano Ansel Adams (1902-1984), que inspira fotógrafos como o catarinense Renato Machado e o paulista Mário Baptista, usuários de baixa velocidade nos trabalhos que desenvolvem. Adams era também estudioso da técnica, criador do Sistema de Zonas, referência máxima para imagens em P&B, e autor da trilogia A Câmera, O Negativo e A Cópia (veja mais na edição 275).
Fã de Ernst Hass e de Ansel Adams, o saudoso Luiz Claudio Marigo (1950-2014), um dos pioneiros da fotografia de natureza no Brasil, ensina que a duração da exposição determina a nitidez e a sensação de movimento. Com movimentos da câmera, o fotógrafo pode potencializar esses recursos técnicos para exercitar a criatividade e criar efeitos. Segundo Marigo, é possível escolher entre diversas combinações da velocidade do obturador com a abertura do diafragma e manter a mesma exposição. Por exemplo: as combinações de 1/60s com f/5.6, 1/30s com f/8, 1/15s com f/11 e 1/8s com f/16 são equivalentes, mas implicam em muitas diferenças para a velocidade e a profundidade de foco.
Marigo também usava a técnica do panning, ou seja, mover a câmera horizontalmente acompanhando a velocidade do assunto. De acordo com ele, quando essas velocidades são iguais, o assunto aparece nítido e o fundo borrado. A velocidade do obturador dá o intervalo de tempo em que o assunto é acompanhado pela câmera. Uma velocidade de obturador maior ou menor produzirá um fundo mais ou menos borrado.
Em fotografia de cachoeiras, a dica de Luiz Claudio Marigo é que, se alguma vegetação grande aparece no enquadramento, o fotógrafo precisará de um dia sem vento para não tremer as folhas. Ele preferia dias nublados para poder utilizar velocidade de 2 segundos ou mais, fechando bem o diafragma. Se, mesmo com o tempo e o diafragma fechados, não conseguisse velocidade baixa, usava um filtro polarizador ou de densidade neutra (ND) para “escurecer” a cena.





Efeito em paisagens
Filtros ND, aliás, fazem parte do arsenal do catarinense Renato Machado, 50 anos, empresário da área de marketing que começou a fotografar mais seriamente em 2014 – hoje, 50% do seu tempo é dedicado à fotografia, liderando expedições fotográficas, dando workshops e produzindo imagens para dois livros que pretende lançar. Focado em paisagens, Machado usa a baixa velocidade para obter um efeito de movimento em fotos de cachoeiras, riachos, mar e céu com nuvens, e, em alguns casos, luzes de veículos inseridos no cenário.
Ele diz que no caso de cachoeiras e rios, muitas vezes o volume de água e a velocidade da correnteza são fatores que podem pedir ajustes finos na configuração da câmera, mas o tempo de exposição não pode ser muito elevado para que não haja perda de detalhes. “Normalmente, o ajuste é de 2 a 8 segundos. Quando uso um tempo muito longo, o efeito do movimento se perde e cria uma massa de luz sem muitos detalhes e sem muita atratividade”, comenta.
Machado afirma que a baixa velocidade do obturador foi o grande influenciador para a entrada dele na fotografia de paisagem. “Vi em algumas fotos, principalmente de cachoeiras e córregos, a magia da longa exposição. Os detalhes, o controle da luz, isso me atraiu”, informa. No começo, ele não tinha filtro de densidade neutra (ND) e saía apenas em dias dublados ou procurava cachoeiras no meio da mata para conseguir ajustar tempo de exposição nunca maior que 1 segundo para obter um efeito na água sem superexpor a foto.
“Meu primeiro filtro ND era circular, mas indico apenas para iniciantes, pois esses filtros criam vinheta nos cantos e alteram a cor. Atualmente, uso apenas filtros ND retangulares da Lee e da K&F Concept com vários stops (pontos), cada um de acordo com a luz do local. Quanto mais tempo de exposição, maior o stop do filtro”, explica. Com a câmera no tripé (outro equipamento imprescindível), ele trabalha sempre no modo manual, com o ISO mais baixo e a abertura entre f/5 e f/10 para direcionar o ponto focal e ter uma foto menos “chapada”.
Diz que não faz cálculos nem usa aplicativos para simular parâmetros, pois gosta de testar as possibilidades e ver o resultado logo a seguir. Além do ND, também coloca na lente o filtro polarizador para intensificar as cores e reduzir reflexos, como os da superfície da água. “Aprendi na prática, errando muito, ajustando configuração incorreta, fazendo composição sem atrativos. Já sei bastante coisa, mas continuo aprendendo. Fotografia é um aprendizado eterno”, comenta.




Movimento que atrai
Mário Baptista, 40, se dedica inteiramente à fotografia há apenas um ano. Mas, desde os 12, quando ganhou uma Canon A1 do pai, ele vem produzindo imagens de maneira autodidata. Trabalhou durante 26 anos na empresa da família até tomar a decisão de largar a vice-presidência do Grupo Protege, de transportes de valores, e mudar totalmente os rumos da vida. “Foi um longo caminho até ter coragem para seguir o que o coração pedia. Acabei descobrindo que a moeda mais cara do planeta se chama felicidade”, declara ele.
Feliz como fotógrafo, agora com uma mirrorless Sony Alpha a7 IV e uma compacta premium Ricoh GR III na bolsa, Baptitsa explica que procura usar baixas velocidades em situações em que o protagonismo da imagem está justamente no movimento. “Algumas vezes, você percebe que tem um ótimo enquadramento em uma situação, mas sente que há algo faltando. Nesses casos, o movimento dá outro atrativo para a imagem”, defende Baptista.
Depois de muito testar, ele diz que encontrou algumas “receitas” para determinadas situações: para congelar carros em velocidade baixa, usa algo em torno de 1/8s (às vezes 1/15s); para pessoas andando tenta ir até 1/2s (dependendo da situação de luz externa). Baptista diz se identificar com cenas em movimento, pois sempre teve uma vida muito agitada. “Sou um cara meio ligado no 220”, brinca.
Ele prefere usar a câmera no modo de prioridade de velocidade, S (de shutter) em câmeras Sony e Nikon (TV em câmeras Canon). Confessa que no modo manual perdeu muitas fotos tentando ajustar os parâmetros para chegar onde queria. “Esse modo semiautomático ajuda muito para abreviar o tempo para produzir o efeito de baixa velocidade que desejo. Consigo ter uma ideia melhor das possibilidades criativas com as luzes urbanas, os rastros de faróis de carros, reflexos e outras opções”, explica Mário Baptista.


Movimento na ação esportiva
A fotografia de esportes está associada à alta velocidade de obturação para congelar a ação, mas o fotojornalista Fernando Frazão, 32 anos, gosta de usar a baixa velocidade para produzir imagens diferentes, que ressaltam o movimento, ao estilo Ernst Haas. Profissional há 11 anos, sempre no fotojornalismo, tem passagem pelo jornal O Globo e atualmente faz parte da equipe de fotógrafos da Agência Brasil, na sucursal do Rio de Janeiro. “Com o avanço tecnológico, em que câmeras com obturação eletrônica chegam a disparar em um ritmo de até 30 quadros por segundo, cada vez mais a imagem diferente vai ter espaço para se destacar. Assim, operar com o obturador em baixa velocidade é um dos recursos para sair do lugar-comum”, argumenta.
A técnica ainda surpreende, pois produz resultados inesperados. “Se bem treinada, gera imagens de uma plasticidade diferenciada que o olho humano também não consegue enxergar pelo motivo inverso do das fotos com alta velocidade”, explica. Para ele, o efeito dos borrões, seja no plano de fundo ou no corpo do atleta, imprime uma camada de expressão quase surrealista.
Fernando Frazão conta que é comum os fotógrafos brincarem entre si, ao ver um colega usando baixa velocidade de obturação ao fotografar, com a frase “ele está fazendo arte”.
Lembra que a técnica pode ser aplicada a uma variedade de esportes, mas nem sempre é a melhor opção. Planejar e reconhecer a oportunidade certa para usá-la faz a diferença. Para ele, ciclismo, automobilismo ou corridas de atletismo são oportunidades mais óbvias para usar a baixa velocidade com a técnica do panning – que consiste em mover a câmera no momento do clique, como se fosse para um movimento de foto panorâmica, sincronizado com o movimento do atleta, acompanhando-o. “O atleta aparece nítido e congelado e o plano de fundo fica borrado no sentido do movimento da câmera. Isso porque o atleta e a câmera se mantiveram no mesmo eixo, aparentando estar parados um em relação ao outro, emparelhados, digamos”, ensina o fotógrafo.
O especialista comenta que o panning mais comum é no sentido horizontal, mas também funciona na vertical e na diagonal, em esportes como saltos ornamentais e ginástica artística. A técnica é mais usada com teleobjetiva, focando na expressão do atleta. Mas também funciona com a grande angular. “Nesse caso, é possível dar mais destaque para o ambiente em que o esporte está sendo praticado, explorando formas e cores”, afirma.
O fotojornalista pontua que não é apenas o esporte profissional que gera boas imagens. Atletas amadores, muitas vezes, dão mais liberdade para o fotógrafo criar. As corridas de rua, comuns em várias cidades brasileiras, são uma ótima oportunidade para praticar a baixa velocidade em ação esportiva, sugere ele. “Usar a baixa velocidade para retratar diversos corredores passando, alguns mais velozes, outros menos, irá resultar em uma forma inusitada de registrar a diferença de velocidade entre eles. Uns sairão muito borrados, outros mais nítidos, aparentando estar parados. A dica é deixar o movimento do atleta mais ou menos borrado, variando a velocidade do obturador, de forma que os elementos de primeiro plano ou do plano de fundo fiquem estáticos”, ensina.



Quanto à velocidade certa para conseguir um efeito interessante, Frazão explica que descobrir o ajuste ideal para congelar a ação depende de cada esporte e da distância em que a ação ocorre em relação à posição do fotógrafo. “Pense que um avião no céu a cerca de 800 km/h parece se deslocar lentamente porque está longe. Um avião pousando a cerca de 250 km/h parece estar mais rápido porque você está perto da pista de pouso. Ou seja, fotografar um maratonista vai exigir uma configuração diferente de um motociclista na pista”, ensina.
Segundo Frazão, a maioria das fotos de esporte é feita em 1/500s, 1/1.000s e 1/2.000s. Ele explica que o movimento do maratonista pode ser completamente congelado com 1/500s, mas a imagem do motociclista pode ter partes borradas nesse ajuste, seja no plano de fundo ou nas rodas da moto devido à velocidade de deslocamento muito superior. Ele acredita que um valor mais lento que 1/250s já pode ser considerado baixa velocidade para esportes. Explica que trabalhar entre 1/125s e 1/15s costuma gerar bons resultados, dependendo da velocidade do movimento do atleta e do efeito de borrão desejado, o que pode envolver gosto pessoal.
“Recomendo começar os testes com algo em torno de 1/60s e ir se adaptando à situação. Gosto de usar velocidades mais baixas e consigo resultados que me agradam mais entre 1/15s, 1/25s ou 1/30s com lente grande angular e de 1/30s a 1/60s com teleobjetiva. Nada impede levar a técnica ao extremo, com velocidades mais baixas. O desafio será maior, o índice de erros aumenta, mas o prêmio pode recompensar”, diz ele. Como referências, pensando em especialistas em esportes olímpicos, cita os ingleses Bob Martin e Adam Pretty, o americano Al Bello e o brasileiro Ivo Gonzalez, de quem foi aprendiz no jornal O Globo.


Técnica com flash
Fernando Frazão lembra que são poucas as competições esportivas profissionais que permitem o uso do flash. Em geral, o acessório é permitido apenas na cerimônia de premiação. Em algumas modalidades ou em sessões de treino, no entanto, é possível conseguir autorização para disparar o flash, acessório que combina bem com a baixa velocidade de obturador, avalia o fotojornalista. “A luz do flash não somente equilibra a iluminação no atleta, como também pode, associada à técnica do panning, ajudar na sensação de nitidez na parte congelada do movimento”, explica o especialista.
Outra técnica é usar o flash com a câmera parada, configurado para sincronizar com a segunda cortina com ajuste de velocidade bastante baixa no obturador. “A luz do flash vai estar sincronizada com o fechamento do obturador, e não com a abertura no momento do clique, que é a forma tradicional”, ensina. Isso provoca um efeito de rastro de luz que segue o movimento, deixando o atleta nítido e congelado na imagem.
