No final dos anos 1970, o americano Ansel Adams, então perto de completar 69 anos, legou para a posteridade o que ele chamou de Museum Set, uma coleção de cerca de 80 imagens – a maioria de paisagens produzidas entre 1920 e 1960, que considerava o resumo de seu trabalho. Seriam vendidas a preços especiais para pessoas selecionadas por ele que tinham histórico de relacionamento com museus e instituições de arte, como a National Gallery de Washington ou universidades, sobre os quais ele mantinha estrita vigilância para o cumprimento das regras por ele impostas.
O procedimento revelava muito da personalidade desse mestre, mundialmente conhecido pelas fotos em P&B e por elevar o padrão da excelência do meio fotográfico de sua época a níveis impressionantes. The Portfolios of Ansel Adams (Little Brown, 1977) é um dos marcos da fotografia analógica conjugada com os fotolivros. No prefácio, ele escreveu que essa nova apresentação trazia um escaneamento a laser e separação duotone, o que era avançado para a época, e mencionava a primeira edição de um portfólio limitado datada de 1927. Ou seja, levou certo tempo para que Adams encontrasse um meio de reprodução compatível com suas cópias originais.
Ansel Adams, além de fotógrafo, era também um reconhecido ambientalista. Nasceu em 1902, em São Francisco, Califórnia, neto de um rico barão madeireiro, e passou a infância fazendo longas caminhadas pelas dunas da Golden Gate, que se tornaria mais tarde, nos anos 1970, a Golden Gate National Recreation Area. Filho único temporão, ele tornou-se resiliente depois que os negócios da família entraram em colapso. Autodidata na leitura de partituras e na música, substituiu a educação formal pelo piano, ao qual agradecia sua disciplina, quando já pelos anos 1920 passou a se dedicar à fotografia, unindo assim a arte com sua vertente ambiental em registros icônicos da paisagem californiana, principalmente do Parque Nacional de Yosemite, nas montanhas de Serra Nevada.


Com bons companheiros
A importância de Adams está circunscrita no movimento fotográfico que seguiu pelos anos 1920, quando a imagem em cor era algo ainda extremamente artesanal, calcada no que é chamado hoje de processos históricos ou alternativos – os filmes coloridos profissionais, como o Kodachrome, só entrariam no mercado em 1935, e o primeiro negativo colorido, o Kodacolor, apenas em 1942, quando então a fotografia começou a se popularizar. Com uma pequena câmera Brownie, ele entrou no Sierra Nevada Club em 1916, que congregava amantes das trilhas e das escaladas, que seriam os fundadores do movimento conservacionista americano. Foi no boletim do clube que ele mostrou as primeiras imagens e também textos. Sua primeira exposição individual foi nesse lugar, em 1928.
Naquele início do século 20, os museus começaram a criar coleções fotográficas, o que acabou por estabelecer um padrão para o que, no futuro, ficou conhecido como fotografia fine art, aquela que se diferenciava da imagem fruto de ações mais objetivas, como o fotojornalismo ou a fotografia científica. É nesse contexto que a produção de Adams se insere. Suas imagens não se constituem primordialmente como documentais (embora de certa forma hoje sejam), mas sim como uma expressão subjetiva e autoral calcada em parâmetros técnicos que hoje são vistos como paradigmas.
Por volta de 1934, ele já estava estabelecido como fotógrafo e como ativista defensor de Yosemite. Mas sua carreira começou a decolar sete anos antes, quando passou a ser patrocinado pelo magnata Albert M. Bender, mecenas americano que financiou seu primeiro portfólio. Também o encontro dele com dois grandes fotógrafos compatriotas, Edward Weston, em 1927, e Paul Strand, em 1930, trouxe-lhe crescimento. Com o primeiro, fundou o famoso Grupo F/64 em 1932, levando o perfil straight da fotografia para a ribalta nacional. Já o segundo lhe impactou tanto que desviou seu caminho do então pictorialismo iniciado por volta de 1920 para algo muito mais autoral e enérgico. O fato de Strand pertencer ao grupo do também americano Alfred Stieglitz, decano e mentor de gerações de fotógrafos, atraiu Adams a uma profícua relação multilateral com ele.

Criador do sistema de zonas
O grupo F/64, referência ao diafragma bem fechado e de grande profundidade típico das lentes usadas para câmeras de grandes formatos, como a 8 x 10 polegadas de chapa rígida, foi marcado por uma produção que trazia acutância excepcional com o processo de revelação peculiar, ao qual Adams chamou de Zone System (Sistema de Zonas), criado por Adams (com variações ao redor do mundo) e no qual, de forma resumida, o negativo era dividido em diferentes “zonas”. A conjunção da exposição do filme, a escolha do diafragma, mais a revelação diferenciada de cada zona, criavam uma nuance tonal para o P&B, processo finalizado em cópias de gelatina de prata, também trabalhadas na sala escura. Um céu bem azul, por exemplo, poderia resultar em um preto profundo escolhendo uma dessas zonas.
O americano John Szarkowski, curador do MoMA, escreveu no The Portfolios que Adams não gostava de ser chamado de fotógrafo de paisagem. Como a maioria dos grandes artistas, detestava essas atribuições, pois não confiava em categorias. Apesar disso, lembra o curador, ele é o responsável pelo registro de uma natureza única e intocável, que só poderia ser mostrada por meio de muita técnica e disciplina, não sendo assim um mero preciosismo apenas, mas um raro meio de expressão que acabou por virar um paradigma para os fotógrafos que apreciam a natureza e o meio ambiente.
Ansel Adams, que morreu em 1984 aos 82 anos, deixou um legado histórico ao escrever a trilogia A Câmera, O Negativo e A Cópia, marco na literatura técnica fotográfica em P&B, e até hoje referência para profissionais e escolas de fotografia.
Os livros foram lançados originalmente a partir de 1959 e traduzidos em várias parte do mundo (no Brasil, isso foi feito pela Editora Senac), além de terem releituras, como a publicada por aqui por João Musa e Raul Garcez, Interpretação da Luz – O controle de tons na fotografia P&B (Olhar Impresso, 1994).
