Em 1941, um fotógrafo de origem armênia, pouco conhecido, se viu diante de um dos líderes políticos mais emblemáticos de todos os tempos: sir Winston Churchill. Pouco à vontade no salão reservado para a sessão de fotos, que não havia sido combinada com ele, Churchill entrou no ambiente de cara fechada e com um charuto entre os dentes. Foi logo avisando ao fotógrafo que ele teria apenas dois minutos para fazer seu trabalho. Polidamente, Yousuf Karsh pediu-lhe que se livrasse do charuto, mas não foi atendido. De maneira instintiva, o fotógrafo se aproximou e tirou o charuto ele mesmo. A carranca de Churchill piorou, ele lançou um olhar desafiador para Karsh e o fotógrafo, com todo o equipamento já montado, fez um dos retratos mais reproduzidos da história, capa na revista Life meses depois, usado para ilustrar a nota de 5 libras esterlinas e muitos selos ao longo de anos.
O icônico retrato mostra um Churchill desafiador, tenaz e indomável, reflexo do espírito britânico durante a Segunda Guerra Mundial. O primeiro-ministro britânico havia passado por Washington, capital dos Estados Unidos, e estava em Ottawa, capital do Canadá, em uma viagem que tinha como objetivo persuadir americanos e canadenses a contribuir com mais esforços na luta contra a Alemanha nazista de Hitler – os EUA só entrariam na Segunda Guerra no final daquele ano após o ataque à base de Pearl Harbor; o Canadá estava desde o início ao lado da Grã-Bretanha, mas de forma tímida. Apesar da importância, Yousuf Karsh (1908-2002) sempre preferiu a modéstia ao falar sobre aquele momento. “Tirar o charuto foi um ato espontâneo, semelhante a tirar um pedaço de linha do paletó dele. Foi feito com respeito e apreço, mas ele respondeu com uma expressão que, embora não planejada de minha parte, se encaixou com a necessidade da época”, disse em uma entrevista em 1987, quando vendeu seu enorme acervo de centenas de fotos e cerca de 150 mil negativos à Biblioteca e Arquivo Nacional do Canadá.
O retrato de Churchill marcou para sempre a carreira de Karsh e o catapultou para a fama internacional. Contudo, para chegar àquela situação favorável, Hovsep Karshian, seu nome de batismo, passou por uma série de provações. Ele desembarcou do transatlântico Versailles no porto de Halifax, Canadá, na véspera de Ano–Novo de 1925. Vindo de Beirute, Líbano, o jovem armênio de 17 anos, que arranhava o francês e sabia quase nada de inglês, viajou 29 dias na terceira classe. Chegou com um frio quase insuportável em meio a vários outros refugiados, mas havia calor humano à sua espera: o tio George Nakash, irmão da sua mãe, que ele nunca tinha visto nem por fotografia, morava no Canadá, e assegurou sua entrada como imigrante diante das autoridades.



Fuga pelo deserto
Nascido em Mardin, hoje parte da Turquia, ele tinha 7 anos quando começou o chamado Holocausto Armênio, período em que o Império Otomano decidiu promover o genocídio de homens e a deportação de mulheres, crianças e idosos em marchas rumo ao deserto da Síria – estima-se que entre 800 mil e 1,5 milhão de armênios foram mortos pelos turcos entre 1915 e 1923. Em 1922, a família de Karsh (pais e três irmãos mais novos que ele) fugiu a pé, sem qualquer bagagem, e se estabeleceu em Alepo – hoje destruída pela guerra civil.
Quando conseguiram juntar algum dinheiro e com o consentimento do tio Nakash, Karsh foi para o Canadá. O tio trabalhava como fotógrafo em Quebec e queria um assistente para seu estúdio. Ao chegar, Karsh tinha o sonho de ser médico, mas a falta de conhecimento de francês e inglês mostrou que esse objetivo seria muito difícil de alcançar. Assim, ele dedicou-se ao trabalho com tio o Nakash e aprendeu rápido tudo que ele tinha para ensinar.
Seu interesse pela fotografia foi tanto que o tio Nakash conseguiu que ele fosse estagiar em Boston com um amigo, outro fotógrafo de origem armênia, John H. Garo, retratista renomado na costa leste dos EUA. Garo foi fundamental para o futuro de Karsh, ensinando técnicas e aconselhando-o, por exemplo, a fazer aulas de arte à noite para estudar o trabalho de grandes mestres da pintura, especialmente o holandês Rembrandt e o espanhol Velázquez, com a meta de entender mais sobre luz e composição.





A luz de teatro
Por três anos Karsh absorveu tudo que Garo podia lhe ensinar, desde processos técnicos da época, como platinotipia, goma bicromatada, impressão a óleo e bromóleo, a conceitos mais filosóficos, como ver e lembrar o que via, ou seja, Garo mostrou a Karsh como desenvolver seu próprio olhar ao interpretar o que observava. Em 1931, quando Karsh sentiu que era hora de um voo solo, deixou Boston em direção a Ottawa, onde montou um estúdio bem modesto com móveis improvisados – boa parte, caixas de madeira cobertas com tecidos.
Ao conhecer B. K. Sandwell, editor da prestigiada revista canadense Saturday Night (criada em 1887 e fechada em 2005), conseguiu fazer as primeiras fotos para acompanhar comentários políticos e sociais do jornalista na publicação. Por intermédio de Sandwell, retratou o primeiro-ministro canadense da época, Mackenzie King – de quem se tornou amigo com o passar dos anos. Em 1936, King, em seu terceiro mandato, chamou Karsh para fotografar o encontro com Franklin D. Roosevelt, primeiro presidente americano a fazer uma visita oficial ao Canadá e, a partir daí, o fotógrafo passou a registrar os momentos mais importantes no parlamento, o que culminou com a foto histórica de Winston Churchill.
Nesse meio-tempo, entre a chegada a Ottawa e a foto de Roosevelt, Yousuf Karsh fez uma grande descoberta que mudaria seu estilo fotográfico para sempre: a luz contínua usada no teatro. Ele passou a fazer parte de um grupo amador chamado Little Theatre e ficou deslumbrado com o potencial da iluminação que era usada. Com Garo, ele sempre havia trabalhado em estúdio com luz natural, o que gerava muitas limitações técnicas. Ao perceber o que a luz do teatro poderia fazer na fotografia, Karsh encontrou algo novo na sua vida. E não seria a única: conheceu a atriz francesa Solange Gauthier, com quem se casou e viveu até a morte dela (causada por um câncer) em 1960 – a atriz foi uma das grandes bases para o sucesso de Karsh na carreira.





Retratista de famosos
Depois da visita de Churchill, para mostrar que o Canadá estava mais engajado na Segunda Guerra, o governo canadense mandou Karsh para Londres em 1943 com o objetivo de fotografar outros líderes britânicos. Uma vez lá, ele fez retratos da rainha Elizabeth, da então princesa Elizabeth II (hoje rainha) e de outros membros da família real, do dramaturgo George Bernard Shaw e do arcebispo de Canterbury. Também colaborou com a revista Life ao retratar líderes americanos. Ao final da Segunda Guerra, o fotógrafo ficou conhecido mundialmente como retratista de famosos e poderosos. Isso o motivou a lançar o primeiro livro, Faces of Destiny, publicado em 1946 com uma seleção de retratos desse período.
O passo seguinte de Karsh foi se tornar fotógrafo de estrelas de Hollywood, músicos, atletas, escritores, artistas plásticos, cientistas, filósofos, dramaturgos, empresários… Celebridades de vários tipos. Mas ele também fez projetos documentais e retratos de pessoas comuns, como em 1952, quando foi contratado pela revista Maclean’s para registrar o desenvolvimento econômico no Canadá no Pós-Guerra, tendo viajado por 17 meses pelo país para fazer imagens de cidades e trabalhadores. Produziu cerca de 8 mil negativos e a Maclean’s publicou 280 fotos em uma edição especial.
No final da década de 1950, o fotógrafo havia se tornado tão famoso quanto seus modelos – embora atualmente pouca gente saiba quem ele foi. Contudo, o sucesso cobrou um preço alto, já que em 1959 ele sofreu um ataque cardíaco devido ao excesso de trabalho. No mesmo ano, sua mãe morreu e Solange Gauthier foi diagnosticada com câncer. Apesar dos problemas, Karsh ganhou uma grande exposição de seus retratos em 1960 na Galeria Nacional do Canadá e lançou o segundo livro, Portraits of Greatness, esgotado antes mesmo do evento com a imprensa para seu lançamento.



O fotógrafo se casou novamente em 1962. A escolhida foi a historiadora e escritora Estrellita Machbar, que conheceu durante uma sessão de retratos em Chicago, EUA. Karsh se manteve atuante ao longo da década de 1980 e foi até 1992, quando pendurou as câmeras e fechou o estúdio. Em 1997, mudou com a nova esposa para Boston, passando a morar próximo ao Museu de Belas Artes, para o qual ele doou 199 retratos para a coleção permanente.
Em 2001, Yousuf Karsh foi incluído na lista International Who’s Who Millennium entre as 100 pessoas mais influentes do século 20 (boa parte delas retratada por ele). Era o único canadense e o único fotógrafo do grupo. Complicações após uma cirurgia causaram sua morte em julho de 2002, em Boston, aos 93 anos de idade.




em foto de 1990. Foto: Yousuf Karsh
Ele ficou na história da fotografia como o lendário profissional que, enquanto viveu, havia retratado todos os primeiros-ministros canadenses desde Mackenzie King, todos os primeiros-ministros britânicos desde Winston Churchill, todos os presidentes franceses desde Charles de Gaulle e todos os presidentes americanos desde Franklin Delano Roosevelt.