O brasiliense Marcio Cabral é um fotógrafo ganhador de vários prêmios nacionais e, principalmente, internacionais. Porém, pouco mais de um ano atrás, em 27 de abril de 2018, ele sofreu um grande revés: depois de ter uma foto sua escolhida como a vencedora do renomado Wildlife Photographer of the Year, o Museu de História Natural de Londres, organizador do concurso, o desclassificou. Motivo: ele teria fraudado a imagem usando um tamanduá-bandeira empalhado em vez de um bicho real – o brasileiro nega a fraude. Mas, depois do duro golpe, Cabral voltou a se destacar no exterior em 2019: recebeu Menção Honrosa no Color Awards (realizado nos EUA) e no Memorial Maria Luísa Photo Contest (feito na Espanha), foi medalha de ouro na categoria Panorâmica do Trierenberg Super Circuit 2019 (concurso organizado na Áustria), teve uma alta recomendação no Outdoor Photographer of the Year 2019 (prêmio britânico) e recebeu duas medalhas de prata no Concurso Internacional de Moscou, Rússia, nas categorias Natureza/Flores e Ciência e Tecnologia. Apareceu ainda na lista dos 101 melhores fotógrafos de paisagens do mundo eleitos pelo Internacional Landscape Photographer of the Year (prêmio australiano).
Outra conquista é a de superar uma marca que ele mesmo detém no Guinness, o livro dos recordes: a de imagem panorâmica subaquática com o maior arquivo digital do mundo. A atual tem 495 megapixels, e ele produziu uma nova com 827 MP e aguarda uma atualização do livro para o segundo semestre. “É uma imagem da Lagoa Misteriosa, em Bonito”, diz ele, referindo-se à cidade turística do Mato Grosso do Sul. E há ainda um projeto cultural arrojado que Marcio Cabral tem em mente: promover o primeiro festival de fotografia de natureza e vida selvagem no Brasil. “Estou estudando a viabilidade dessa empreitada, mas acredito que esse tipo de festival seria do interesse de muitos fotógrafos da área, entusiastas e profissionais”, afirma.

Panorâmicas noturnas são especialidade
As imagens panorâmicas noturnas são a especialidade dele e uma de suas fotos recentes mais impressionantes foi feita no Observatório ESO Paranal, no Deserto do Atacama, Chile. Lá estão os mais poderosos raios laser do mundo em ação atualmente, que chegam a atingir 93 km de distância. Eles fazem brilhar átomos de sódio na camada superior da atmosfera, criando estrelas-guia artificiais que permitem aos sistemas ópticos dos telescópios compensar os efeitos de distorção causados pela atmosfera terrestre, produzindo assim imagens muito nítidas.
Cabral fez seis panorâmicas 360º que foram publicadas pelo site francês Futura Sciences (veja em https://bit.ly/2QxNZli) e, depois, uma delas foi transformada em foto. Ele explica: “A foto é um corte 180º de um panorama equiretangular, por isso o laser faz uma curva. Foi um desafio costurar os raios laser porque eles se movimentam junto com as estrelas gerando erro de paralaxe. Assim, tive que fazer um mapeamento específico para os raios laser e as estrelas e outro para os telescópios e fundir manualmente”.
Com 20 anos de carreira, Cabral também tem planos de organizar expedições para dar workshops sobre panorâmicas noturnas, além de outras técnicas. “O problema com o Museu de História Natural de Londres me causou muitos problemas, pois perdi prestígio, dinheiro e adiei projetos. Agora é que estou retomando tudo”, diz ele, referindo-se à desclassificação no Wildlife Photographer of the Year.

Costura de imagens
A técnica por trás de uma fotografia panorâmica é baseada na captura de uma série de imagens (oito, por exemplo) feitas uma ao lado da outra, preferencialmente na vertical para se ter maior resolução. Depois, essas capturas são sobrepostas parcialmente (ou “costuradas”, no jargão fotográfico) em um programa de edição, que pode ser um software específico para a finalidade ou o bom e velho Photoshop.
Para fazer a “costura” de suas imagens panorâmicas, Marcio Cabral costuma usar dois programas especializados, o PTGui e o Kolor Autopano. Ele informa que, desde 2016, o Photoshop consegue “costurar” em RAW, gerando um arquivo DNG. “O PTGui e o Autopano costuram em RAW, mas não conseguem criar um arquivo maleável. Assim, nas imagens que não são 360, prefiro usar o Photoshop”, explica. Ele chegou a fazer um tutorial no YouTube explicando o processo no Adobe Camera Raw – para conferir, acesse https://bit.ly/31rJFsH.
Cabral afirma que o Autopano era o melhor programa especializado, mas houve um problema: a Kolor, empresa francesa líder no mercado e proprietária do software, foi comprada pela americana GoPro, que queria usar essa tecnologia em seus produtos. Porém, a GoPro absorveu o que lhe interessava e resolveu fechar a Kolor e acabar com os programas em 2018. “Isso deixou a comunidade de fotógrafos 360 furiosa. A maioria usava o Panotour, a melhor plataforma de geração de tour virtual e outros produtos de vídeo 360, além do Autopano, que é o meu preferido”, explica o fotógrafo.

Outros aplicativos
Hoje, além do PTGui (US$ 146), Cabral informa que existem atualmente o Panoweaver (US$ 149 na versão standard) e o Pano2VR (149 euros a versão básica), produtos renomados com recursos para publicar panoramas diretamente na internet.
Já para as imagens panorâmicas que o especialista faz destacando a Via Láctea no céu, Cabral diz que o aplicativo Starwalk, bastante usado para localização de estrelas e constelações, é mais específico para astronomia do que para fotografia. Ele prefere utilizar o PhotoPills (R$ 37,90), que, segundo ele, é desenvolvido para fotógrafos. “Acho que é mais intuitivo e oferece várias outras ferramentas específicas para fotografia, além da astrofotografia”, argumenta.
Cabral informa que existem outros aplicativos específicos para fotografia de paisagem e natureza e que têm ferramentas similares as do PhotoPills: o Planit Pro (R$ 37,90) e o Ephemeris Pro (R$ 7,90). “Todos são excelentes e dois curiosamente custam o mesmo preço. Mas vale instalar qualquer um desses se o objetivo for fotografar paisagens noturnas com a Via Láctea ou estrelas específicas”, diz Cabral.

Mágoa e indignação
O fotógrafo brasiliense não gosta de falar sobre a acusação de fraude com a foto do tamanduá-bandeira. O assunto ainda lhe causa mágoa e indignação. Ele assegura que não colocou um animal empalhado subindo num cupinzeiro e acha que alguém armou para ele, pois a investigação dos ingleses começou a partir de uma denúncia anônima. “Alguém enviou um foto em JPEG como comprovação de que era um animal empalhado. Essa foto pode ter sido montada. Criaram uma comissão de seis especialistas, mas não divulgaram que eram essas pessoas. E, pelas regras do concurso, não tenho como recorrer”, diz ele, que teve de devolver os cerca de R$ 6 mil do prêmio e foi banido para sempre de participações do concurso Wildlife Photographer of the Year, do Museu de História Natural de Londres.
Cabral não apresentou à comissão nenhuma outra foto em que o animal aparecia, pois alega que foi tudo muito rápido. “Estava fotografando o cupinzeiro à noite com a luminescência dos cupins, com a câmera em longa exposição. Aí o tamanduá apareceu. Dei um disparo de flash em baixa potência e ele se foi. Não consegui fazer outra foto”, defende-se. Os especialistas levaram três semanas para tomar uma decisão e concluíram que o tamanduá da foto era o mesmo que fica na entrada do Parque Nacional das Emas, em Goiás, só que empalhado.
O denunciante anônimo certamente conhece o parque, o animal empalhado (tanto que enviou uma foto para Londres) e Marcio Cabral. “Pode ser até um colega fotógrafo, um biólogo, sei lá… Sofri uma espécie de linchamento moral. Fiquei muito magoado. Mas que saibam que essa mesma foto foi vencedora do concurso Asférico na categoria Absoluta, na Itália, e o prêmio foi mantido. Mesmo depois de o problema ter sido divulgado, a Disney publicou a imagem em destaque na página Zoom Nature, mostrando que nem todas as grandes instituições concordam com essa história. A foto está nos principais bancos de imagens de natureza e foi vendida para o calendário da National Geographic 2020 com exclusividade na França. O site especializado em fotografia Petapixel fez uma enquete com mais de 10 mil pessoas e a grande maioria também não concordou com a decisão de me desclassificarem”, argumenta Cabral.
Olhando para a trajetória do fotógrafo, único brasileiro a ganhar até hoje o disputadíssimo Concurso Epson Internacional Pano Awards e com dezenas de outros prêmios internacionais no currículo, fica difícil acreditar que tenha cometido um erro tão primário. Mas, mesmo que tenha “pisado na bola” no caso do tamanduá, certamente aprendeu a lição. Olhar para o futuro é a melhor atitude.
