Alimento para a alma. É assim que o carioca Julius Dadalti, 48 anos, encara a fotografia de natureza e vida selvagem, à qual passou a se dedicar totalmente a partir de 2018.
Essa “alimentação” começou na infância, pois, entre as referências que o fizeram escolher o segmento, lembra as imagens de animais silvestres brasileiros que vinham em cartões do chocolate Surpresa, que, mais tarde, descobriria serem de autoria do conterrâneo Luiz Claudio Marigo (1950-2014), mestre a quem reverencia.
Mais do que nutrir a alma, a fotografia foi a corda na qual ele se segurou firmemente para sair do fundo do poço depois de um drama que marcou sua vida, ocorrido em fevereiro de 2014: Dadalti era agente de um grupo especial da Polícia Federal e perdeu 100% da visão do olho esquerdo devido a um acidente durante uma operação. Depois disso, a PF decidiu aposentá-lo. Dias difíceis se seguiram e Julius Dadalti, que já estudava e praticava fotografia como hobby, se entregou de corpo e alma a ela, que acredita ter sido a melhor terapia para superar o trauma.
Passados quase seis anos, hoje ele é capaz de fazer graça com o fato. “Sou fotógrafo de um olho só agora. Ficou mais complicado, pois perdi a visão periférica, e isso me causa alguns sustos às vezes, como quando mergulhei com tubarões. Vez por outra me surpreendia com um baita bicho do meu lado esquerdo, vindo por trás”, conta. Por isso, hoje a atenção aos animais, quando está em campo, é maior. “Faz parte da adaptação, que é contínua. Mais um desafio a superar na fotografia de natureza”, resigna-se.


Paixão ao primeiro safári
Além de Marigo, do qual acompanhava os artigos publicados nas páginas de Fotografe, Dadalti ainda cita o sergipano Príamo Melo, professor de Química e de fotografia, especialista em paisagem, outro de seus mestres. Também há referências estrangeiras, como o canadense Paul Nicklen, o australiano Darren Jew, o holandês Frans Lanting, o neo-zelandês David Lloyd e o americano Art Wolfe, todos em plena atividade.
Contudo, Dadalti sabe que essa é uma área que exige aperfeiçoamento constante, muita prática, doses paquidérmicas de paciência e paixão pelo que se faz. “São muitas as referências, mas é preciso criar um estilo próprio e ter uma postura de muito respeito pela natureza, prezar a ética acima de tudo, pois só assim o trabalho é pleno”, comenta.

Ainda longe do profissionalismo, ele partiu para o primeiro safári em 2011. Levava uma câmera compacta Nikon com superzoom, equipamento prático, leve, mas que logo notaria não ser tão adequado quanto imaginava. Era a realização de um sonho viajar pela África do Sul, naquele clima de filme da sessão da tarde: veículos 4 x 4 cruzando a savana, onde leões, elefantes, leopardos, zebras e rinocerontes estavam ao alcance de um disparo certeiro no foco da teleobjetiva. A experiência no Parque Nacional Kruger, região nordeste sul-africana, foi muito marcante. “Veio uma vontade louca de ficar por lá, conhecer mais países africanos, estudar o comportamento animal e, claro, fotografar muito”, recorda.
Com a aposentadoria compulsória na PF em 2014, começou a pensar em ser um profissional de fotografia. Passou a se dedicar muito, a praticar mais, a estudar e a pesquisar e, claro, a viajar tanto pelo Brasil (Pantanal e Amazônia) quanto para o exterior. Em 2016, rodou 4 mil km pela Namíbia, costa oeste da África, tendo fotografado no Parque Nacional de Etosha e na zona litorânea, “de onde Amyr Klink partiu em 1984 para atravessar o Atlântico sozinho num barco a remo”, lembra ele.
Com os amigos fotógrafos Eduardo Campos, Frederico Sotero e Stephano Pirozi, fez uma expedição ao Quênia e à Tanzânia em 2018, explorando a região dos parques Masai Mara, Amboseli e Samburu. Foram 20 dias percorrendo estradas e trilhas para fotografar guepardos, búfalos, babuínos e girafas. Já em 2019, retornou ao Quênia com um grupo de oito pessoas para registrar um dos grandes espetáculos do planeta no Masai Mara: a migração de 1,2 milhão de mamíferos quadrúpedes (gnus, zebras e antílopes) que se deslocam para a Tanzânia por causa do período de chuvas, uma jornada de cerca de 1.000 km. É a famosa travessia do Rio Mara, quando crocodilos, leões, leopardos, guepardos e hienas ficam à espreita para o banquete.



Até debaixo d’água
Formado pela Escola de Oficiais da Marinha Mercante, em 1992, foi fazer faculdade de Oceanografia na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), mas deixou-a no sexto período ao ser aprovado no concurso da PF. “A água tem uma presença forte na minha vida. Então, me dedico também à fotografia subaquática”, explica ele, que, em 2018, foi ao Havaí, EUA, mergulhar ao lado de tubarões e tartarugas marinhas. Mais recentemente, em outubro de 2019, viajou para o arquipélago de Tonga, também no Pacífico, para registrar as baleias jubarte na ilha de Vava’u.
“Minha primeira câmera foi uma Pentax Spotmatic herdada do meu pai, aos 15 anos. Ele também foi meu primeiro professor, dando dicas de composição, luz…”, recorda Dadalti, que é filho de jornalistas. A mãe, a mineira Solange Dadalti, esteve por 50 anos em redações como Jornal do Brasil, Rádio Roquete Pinto e Agência France Presse (AFP). O pai, o alagoano Paulo Granja, começou na United Press International (UPI) e fez carreira no Jornal do Brasil, onde chegou a editor-chefe.

Hoje, Julius Dadalti trabalha com duas Canon EOS, a 5D Mark IV e a 7D Mark II. No jogo de lentes, conta com a fish eye 8-15 mm f/4, a zoom grande angular 16–35 mm f/2.8, a versátil 24-70 mm f/2.8, a telezoom 100-400 f/4.5-5.6, a tele fixa 300 mm f/2.8 e a supertele 500 mm f/4 – além de um teleconversor 1.4x, filtros polarizadores e de densidade neutra. Ele trata as fotos no Lightroom e diz gostar de clique único. “Não curto fazer mesclagem de imagens, nem mesmo de paisagens”, informa.
Para 2020, os planos são voltar para o Quênia, depois seguir para Ruanda, Uganda e Tanzânia, nessa ordem. Botsuana, Zimbábue e Zâmbia devem ficar para 2021 – e ainda planeja retornar à Namíbia e depois visitar Etiópia, Sudão, Moçambique e Zanzibar. Mas o Brasil também está no roteiro: estava terminando o planejamento para ir à Amazônia. O Pantanal Sul está no roteiro de 2020, assim como os sertões de Minas Gerais e da Bahia. “Preciso manter a alma bem alimentada”, diz.
